Lucélia
Muniz
Ubuntu
Notícias, 16 de agosto de 2023
@luceliamuniz_09 @ubuntunoticias
Como o Brasil pode ser considerado hoje o celeiro do mundo para exportação de commodities agrícolas e ter mais de 30 milhões de pessoas com fome? Em 2014, a ONU declarou que o nosso país finalmente saíra do mapa da fome. Como conseguimos esta proeza? Graças a um conjunto de ações, como a geração de vinte milhões de empregos formais, a valorização do salário mínimo, programas de transferência de renda, investimento na merenda escolar e o fortalecimento da agricultura familiar.
A isso, como sabemos, seguiu-se um desmantelamento dessas políticas e o estímulo desenfreado à monocultura. Movimentos legislativos procuraram flexibilizar as leis de proteção ambiental e as demarcações indígenas, como a MP 886/2019, que transferiu a identificação e a demarcação de terras indígenas para o Ministério da Agricultura, e o PL 191/2020, que visava autorizar a mineração, o turismo e a pecuária nas mesmas terras.
Hoje, somadas, todas as plantações de soja do país dariam o equivalente a três vezes o território de Portugal. De cana-de-açúcar, as plantações compreendem uma área 6,2 vezes maior que o estado de São Paulo. Nos últimos 35 anos, a soja e a cana no Brasil ganharam 81,2 milhões de hectares, ao passo que o arroz e o feijão, alimentos básicos da mesa brasileira, tiveram redução em sua colheita, se comparada às de 1960.
Enquanto as instalações pecuárias ganham em média 2 milhões de hectares por ano, relatório recente do Prodes, que monitora o desmatamento amazônico, contabiliza uma perda anual de 1 milhão de hectares por ano, o que indica uma correlação evidente entre sanha agrocapitalista e expropriação de terras públicas.
O dado é ainda mais chocante se somado a outro: 1% das propriedades concentra 45% da terra, o que nos leva a concluir que estamos passando por um insidioso processo de apropriação privada do solo brasileiro. Este interesse privado, que acumula poder suficiente para abalar qualquer estado democrático, está transformando o país em uma grande monocultura e uma imensa fazenda de criação de gado. Qualquer um que esteja no caminho destes interesses está ameaçado. Somos o quinto país que mais assassina ativistas ambientais do mundo, segundo o Global Witness.
Como consequência social e ambiental, assistimos a uma sindemia, a
reunião de três pandemias: a da fome, a da obesidade e da devastação ambiental.
Qualquer percepção que não integre padrões de consumo alimentar, produção
agropecuária, saúde humana e meio ambiente no mesmo quadro corre o risco de
recair em viés, diversionismo e distração. Eis o quadro.
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