Lucélia Muniz
Ubuntu Notícias, 25
de maio de 2021
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Via Curso Educação para as Relações
Étnico-Raciais
Aqueles homens ali dizem que as mulheres
precisam de ajuda para subir em carruagens, serem levantadas sobre valas e ter
o melhor lugar onde quer que estejam. Ninguém jamais me ajudou a subir em
carruagens, ou a saltar sobre poças de lama, ou me deu qualquer “melhor lugar”!
E não sou uma mulher? Olhem para mim! Olhem para meus braços! Arei a terra,
plantei, juntei a colheita nos celeiros, e nenhum homem podia se igualar a mim!
E não sou eu uma mulher? Eu podia trabalhar tanto e comer tanto quanto um homem
– quando eu conseguia comida – e suportar o chicote também! E não sou uma
mulher? Eu pari treze filhos e vi a maioria deles ser vendida para a
escravidão, e quando eu chorei meu luto de mãe, ninguém a não ser Jesus me
ouviu! E não sou uma mulher? Daí eles falam dessa coisa na cabeça… como eles
chamam isso? Intelecto. É isso mesmo, querido. Bem, o que isso tem a ver com os
direitos das mulheres? Ou com o direito dos negros? Se o meu copo não tem mais
que um quarto, e o seu está cheio, não seria maldade não deixar que eu tenha
minha meia medida cheia?
Sojouner Truth
Iniciamos nossa conversa rememorando o discurso de uma mulher negra, ex-escravizada e precursora do movimento feminista negro, Sojourner Truth.
Ao defender o direito das mulheres ao voto ela revela a opressão de raça por ser negra e comumente não possuir as características de uma mulher branca universal, acrescenta ainda a opressão de classe por estar subalternizada na posição de ex-escravizada e na sua trajetória viveu os horrores da escravidão e da sua condição de gênero por ser a única mulher negra naquele espaço político, mesmo diante de várias mulheres, aquele era um não-lugar.
Como mostra Akotirene (2020, p.26) Sojourner com seu pensamento interseccional “explicou a matriz de opressão cisheterossexista, etária, divisora sexual do trabalho, segundo a qual [...] as mulheres negras eram trabalhadoras nas casas das ‘mulheres brancas instruídas’, chegavam em casa e tinha o dinheiro tomado pelos ‘maridos ociosos’, bastante ofendidos porque não havia ‘comida pronta dentro de casa’. A raça impõe a nós, mulheres negras, a experiência de “burro de carga da patroa e do marido”.
Enquanto as feministas brancas reivindicavam o direito de trabalhar fora do lar, as negras já trabalhavam, seja no trabalho escravo ou livre. O Racismo Estrutural forjado na colonialidade do poder submete as mulheres negras a inexistência do descanso após anos de trabalho.
Mas antes, é importante frisar que
colonialidade é diferente de colonialismo.
# “COLONIZAR” é se apropriar
compulsoriamente de um espaço pertencente a outras pessoas, dominar política,
econômica e socialmente esse lugar e aqueles que o habitam.
# COLONIALIZAR “implica na imposição de um padrão cultural, epistemológico, de crenças, valores e normas, com o intuito de dominar acima de tudo em seu aspecto cultural, simbólico, imaginário, cognitivo-afetivo” (FIGUEIREDO , 2009, p.03) e porque não dizer corporal produzindo hierarquias raciais e identidade nacionais.
Desta forma a colonialidade do poder toma a raça como categoria central de hierarquização das(os) sujeitas(os), de seus corpos, de seus saberes (colonialidade do saber). O conhecimento precisa ser neutro e imparcial e as identidades universais.
A Colonialidade universaliza as mulheres como
se todas fôssemos um grupo homogêneo, pois aquilo que é universal é destituído
de marcador. Como nos alerta Maria
Lugones o gênero não se funda da mesma forma no Norte e no Sul. Do
mesmo modo podemos dizer que a mulher européia não é a mesma que a latina ou a
negra. Esta teórica ao criticar a ausência das contribuições de gênero na teoria
decolonial analisa que o gênero e o sexo são categorias fundantes e
frutos da colonialidade do poder, assim como raça.
De acordo com Akotirene (2020, p. 19)
A Interseccionalidade visa dar instrumentalidade teórico - metodológica à inseparabilidade estrutural do racismo, capitalismo e cisheteropatriarcado – produtores de avenidas identitárias em que mulheres negras são repetidas vezes atingidas pelo cruzamento e sobreposição de gênero, raça e classe, modernos aparatos coloniais.
Podemos afirmar ser das mulheres negras o coração deste conceito (Akotirene, 2020). Afinal, sentimos a opressão sexual-racial, sem definir o que vem primeiro, pois não temos como hierarquizá-las.
Neste sentido foram precursoras da matriz interseccional Lélia Gonzalez, Angela Davis e Bell Hooks ao apresentarem em suas produções a inseparabilidade do racismo, capitalismo e cisheteropatriarcado. Gonzalez com seu pretuguês e sua obra Amefricanidade, em 1980, expõe o racismo e o sexismo da cultura brasileira; Davis apresenta os efeitos do racismo, capitalismo e sexismo no livro “Mulheres, Raça e Classe” em 1981 e Hooks ao escrever “Eu não sou uma mulher? Mulheres negras e o feminismo , analisa o impacto sexista e classista na vida das mulheres negras e como a sororidade pode ser usada como um discurso esvaziado quando mulheres brancas não abrem mão de seus privilégios. (Hooks 2019).
Estas feministas afrodescendentes desvelaram o fracasso do feminismo hegemônico ao desconsiderar a trajetória das mulheres negras, do mesmo modo que escancararam a miopia do movimento negro ao contemplar apenas as experiências dos homens negros revelando seu machismo. Neste sentido, entende-se que o projeto feminista negro “desde sua fundação, trabalha o marcador racial para superar estereótipos de gênero, privilégios de classe e cisheteronormatividades articuladas em nível global”(Akotirene, 2020, p. 22)
Considerada pelas feministas negras como um
sistema interligado de opressões, a Interseccionalidade é uma categoria
analítica, política e metodológica que nos permite enxergarmos as
invisibilidades neste sistema, a fim de compreendermos a fuidez das identidades
subalternas, impostas a preconceitos e subordinações de gênero, raça e classe
alicerçadas na matriz da colonialidade moderna.
Consteúdo extremamente necessário e urgente para construção de uma educação antirracista, sobretudo no suporte de professores para práticas pedagógicas decolonias e descolonizadas.
ResponderExcluirOntem conclui o Curso Educação para as Relações Étnico-Raciais, de onde tive acesso a esse conteúdo para postar, e sei que ainda tenho muito a aprender! São pautas que devem fazer parte do nosso dia a dia!
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