Ubuntu Notícias, 10
de maio de 2021
@luceliamuniz_09
@ubuntunoticias @agenciaclick__
Via Curso Educação para
as Relações Étnico-Raciais
Autores: Me. Thiago
Braga Teles da Rocha e Me. Tom Jones da Silva Carneiro
Revisão pedagógica: Me.
Rosilene Aires
DIÁSPORA
Os Africanos, não. A diáspora por eles enfrentada devastou muito de seus laços familiares. Levou-os à condição de escravos, além de manter, através de processos de resistência, resiliência e, principalmente, sua capacidade de organização e princípios civilizatórios de comunidade, várias continuidades culturais, bem como a possibilidade de novas reelaborações.
Pensar o processo de mudança compulsória imposto aos africanos de diversas regiões e etnias, entre os séculos XV e XIX, é possível a partir da percepção dos dispositivos de poder e de dominação que forçaram um processo alheio à vontade dos que migravam. Esse processo é, antes de tudo, a expulsão de sua terra, de seu lugar identitário. É mais radical que o processo vivenciado pelos judeus nos séculos I e II, quando foram expulsos da Palestina pelos romanos. Entretanto, os judeus não eram tratados como mercadorias – apesar de todas as perseguições e segregações que vivenciaram, principalmente no medievo – os judeus eram livres em suas novas terras. O movimento migratório africano foi um dos movimentos populacionais mais impactantes da História. Segundo Santos (2008),
Esse é um dos movimentos migratórios mais espetaculares da História moderna, sendo que os cálculos da travessia forçada pelo Oceano Atlântico oscilam de dez a cinco milhões de pessoas que teriam sido arrancadas da África e trazidas para as Américas (SANTOS, 2008, p. 182).
Esses milhões de habitantes retirados dos solos africanos, e enviados principalmente para as Américas, proporcionaram efeitos inquestionáveis nas estruturas sociais, políticas e econômicas no mundo moderno, trazendo relações de influência até os dias atuais. Essa desmontagem das sociedades africanas gerava lucros para o comércio ultramarino realizado pelas potências europeias, alcançando o fortalecimento dos empreendimentos das marinhas mercantes, com destaque para os ingleses que, posteriormente, alcançaram o protagonismo no comércio marítimo. Os povos africanos escravizados viram suas perspectivas econômicas suprimidas com a migração compulsória em massa de sua mão de obra, de seus jovens.
Os escravos nas sociedades africanas não perdiam todos os seus direitos. Podiam ascender socialmente dentro de suas comunidades e, além disso, seus filhos não herdavam a condição de escravo. Esse sistema não foi reproduzido no além-mar. Com a chegada dos europeus, primeiramente dos portugueses, as relações de escravização foram adaptadas para o comércio ultramarino, com o intuito de abastecer os interesses dos colonizadores. A explicação mais usual para esse processo se estrutura na narrativa de que os traficantes de escravos forneciam bens manufaturados (armas de fogo e pólvora, principalmente) para os chefes africanos em troca de prisioneiros de guerra. Com um melhor armamento, os chefes africanos empreendiam novas guerras com o intuito de aumentar suas posses e adquirir mais escravos. A Coroa Portuguesa, quando era conveniente, intervinha nesses conflitos para possibilitar que um grupo político aliado vencesse e mantivesse o tráfico negreiro. Com o passar dos anos, a necessidade de mão de obra escrava e a lucratividade desse modelo rendeu um aumento das relações mercantis que se estenderam pelas duas costas do continente africano.
Os escravos aguardavam em pavilhões com condições insalubres a chegada de navios negreiros para realizarem o transporte. Nos navios, ao longo da viagem, eles eram amontoados nos porões, em condições subhumanas, com mínima alimentação e acesso à água. A taxa de mortalidade era altíssima. Mesmo assim, a lucratividade era muito grande para os comerciantes. Chegando ao Brasil, os africanos passavam por um processo de seleção por parte dos mercadores. Os homens jovens valiam duas ou três vezes mais que mulheres, crianças ou idosos. Os escravos eram classificados ainda em boçais e ladinos. Boçais eram os que não aceitavam facilmente a dominação, ao passo que os ladinos eram considerados mais valiosos, pois eram os que se submetiam mais facilmente ao processo de exploração. Os africanos partiam, principalmente, de Lagos na Nigéria, de Luanda em Angola e de Moçambique, esses dois últimos de etnia Bantu, importante tronco linguístico para a formação da Língua Portuguesa falada no Brasil. Essas áreas demonstram uma grande extensão geográfica de saída compulsória do continente africano, em áreas das duas costas, Atlântico e Índico. Aqui no Brasil, os principais pontos de chegada eram: São Luís, Recife, Salvador e Rio de Janeiro. O Nordeste brasileiro, o local de maior concentração de descendentes africanos no Brasil foi, provavelmente, o maior depositário da cultura e da influência cultural daquele continente. Havia, dessa forma, uma heterogeneidade étnica advinda da África, que se espalhou por diferentes pontos do território brasileiro, dando grandes contribuições para a formação cultural das diversas regiões do país.
Observa-se a pluralidade cultural dos povos africanos que chegaram ao nosso território. Eles vieram de várias regiões do continente e eram de várias etnias, como Fula; Mina; Akan; Mahi; Yoruba; Bacongo; Ewe, entre outras. Falavam muitas línguas diferentes, algumas ainda faladas no Brasil como o yoruba, o ewé, o kikoongo e o kibundo e também mantinham uma grande variedade de cultos e cosmovisões. A tradição historiográfica busca dividir os grupos africanos que chegaram ao Brasil em três: sudaneses, guinenos-sudaneses muçulmanos e bantus.
LEGADO AFRICANO
Todos os africanos trazidos para o Brasil foram através da rota transatlântica, envolvendo povos de três regiões geográficas:
a) África Ocidental: atuais Senegal, Mali, Níger, Nigéria, Gana, Togo, Benin, Costa do Marfim, Guiné Bissau, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Guiné, Camarões;
b) África Centro-Ocidental: atuais Gabão, Angola, República do Congo, República Democrática do Congo (antigo Zaire), República CentroAfricana;
c) África Austral: atuais Moçambique, África do Sul e Namíbia.
A religião oficial no Império Português e, posteriormente, no Brasil Monárquico, era a Católica. Para manter sua liberdade cultural e algumas de suas raízes oriundas da África, as pessoas escravizadas passaram a ressignificar, concomitante ao sofrimento de um processo de violência simbólica, as práticas da religião católica com perspectivas de divindades oriundas de seu continente de origem. Isso acarretou uma grande variedade de práticas religiosas em território brasileiro, produzidas a partir do sincretismo religioso, que já existia nas diversas experiências de trocas culturais existentes no continente africano. O termo sincretismo, em muitos momentos, é problematizado como um conceito negativo para vários pesquisadores, pois denota um sentido de confusão inerente a esse processo de formulação religiosa. Ademais, podemos avaliar que a ideia de haver sincretismo, ou seja, a fusão de diferentes elementos culturais para formar uma religião é algo recorrente em todas as concepções religiosas. Segundo Ferreti, “Embora alguns não admitam, todas as religiões são sincréticas, pois representam o resultado de grandes sínteses integrando elementos de várias procedências que formam um novo todo” (1998, p. 183).
É indubitável toda a montagem de um processo de dominação realizada contra os povos africanos no território brasileiro. O objetivo de catequizar de forma ampla todos os africanos e descendentes no Brasil tinha a finalidade de buscar uma coesão social e implantar um facilitador da dominação. Todavia, surgiram as irmandades religiosas dos negros, que possibilitaram a facilitação no tocante a ressignificação de práticas. Eram associações que, além de contribuir com a manutenção do elo de pertencimento étnico e religioso, serviam como redutos de fortalecimento político e ajuda mútua. Veja-se como exemplos as alforrias compradas por essas irmandades. Segundo Soares, além dessa superficial catequização, outros fatores impedem a destruição total do substrato cultural africano. Dentre estes, um papel decisivo cabe às Irmandades de africanos e crioulos permitidas pela igreja católica. Uma estratégia catequética e de controle social que acaba por representar um espaço de solidariedade étnica que se tornará o berço do candomblé. (2002, p. 48)
A partir dessas disputas
culturais, um processo marcado por rupturas e continuidades produziu uma grande
carga de influência cultural na sociedade brasileira. Sem dúvidas, a influência
das sociedades africanas no Brasil é gigantesca e se estende por diferentes
hábitos, costumes, práticas de nossa vivência, transcendendo, assim, a quaisquer
barreiras étnicas. As religiões de matrizes africanas e afro-brasileira são um
dos grupos de maior influência cultural na sociedade brasileira. Além disso são
consideradas Povos e Comunidades Tradicionais:
De acordo com o estabelecido pelo Decreto nº 6.040, de 07 de fevereiro de 2007,os PCT´s são: Grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição.
CANDOMBLÉ e UMBANDA
Primeiramente o Candomblé, de origem africana e que foi ressignificado no Brasil. O Candomblé é de matriz africana, entretanto, é brasileiro, pois sua organização se estabelece e se consolida no Brasil, como resultado da capacidade de reorganização e reagrupamento dos diversos grupos étnicos. Ele se baseia no culto aos Orixás, Inkisis ou Voduns, dependendo da matriz mais significativa do grupo que estabeleceu o culto em cada região do país. O Candomblé cultua divindades com características atribuídas aos seres humanos, entretanto, na perspectiva teológica dessa religião, seriam os humanos que teriam características oriundas das divindades que lhes regem e, portanto, da natureza. Uma vez regente de uma pessoa, aquela divindade será responsável por sua proteção além de influenciar seus traços de personalidade e, por muitas vezes, físicos.
As divindades do Candomblé, na verdade, são responsáveis por, ao mesmo tempo, elementos ou domínios da natureza e da vida humana. Xangô é a divindade do fogo e do trovão, mas também, é a quem os adeptos invocam quando necessitam resolver questões relativas à justiça, por exemplo. Ainda nessa relação das divindades com a natureza, acredita-se que cada pessoa nasce sob a proteção de uma divindade tutelar, portanto, a essa divindade corresponde a natureza daquela pessoa. Cada um tem características diferentes, marcando um grau de influência sobre determinados elementos da natureza, domínios sociais, momentos da vida e das práticas dos indivíduos.
Do Espiritismo e, somado à influência de outras religiões de matriz africana, como, por exemplo, o Candomblé e a Cabula (dos Bantos), surgiu, no século XX, a Umbanda. Embora a Umbanda como culto tenha surgido há mais ou menos 100 anos, muitas práticas religiosas e filosóficas que foram a ela incorporadas são bem mais antigas. Essa religião parte da crença de que entidades espirituais povoam o universo e entram em contato com pessoas sensíveis, iniciadas (médiuns), que as incorpora em rituais específicos. Os elementos de origem africana se misturam às perspectivas do catolicismo popular, criando ligações entre Orixás e Santos Católicos. Outra coisa importante de destacar, ao falar sobre Umbanda, é que os grupos de entidades estão mais ou menos organizados de acordo com arquétipos humanos e também de acordo com os trabalhos e domínios espirituais a que são afeitos.
É importante destacar que existem outras práticas de culto afro-brasileiros e afro-ameríndios como a Jurema, o Catimbó, o Terecô, o Babaçuê, dentre outros, e que embora guardem elementos convergentes entre si, cada um tem suas características próprias. O Espiritismo de vertente Kardecista também é influente, ao considerar a perspectiva de contato entre vivos e mortos e o crescimento intelectual e espiritual do indivíduo por meio da reencarnação. Ritos indígenas e práticas pagãs europeias também compõem a base cultural dessa importante filosofia religiosa.
O crescimento por meio da reencarnação, na verdade, é mais que apenas intelectual. É espiritual e cármico. O Espiritismo incorpora o conceito de carma próprio de filosofias e teologias indianas. A encarnação serve para purgar o espírito de seus defeitos e torná-lo mais elevado e, assim, com o tempo, não encarnará mais, ou alcançará o máximo de sua elevação, ou encontrará outro caminho de trabalho evolutivo servindo à comunidade dos vivos como guia. As pessoas escravizadas foram também os primeiros a trazerem o culto islâmico para o Brasil. Povos islamizados foram escravizados e trazidos para o país, mantendo algumas de suas práticas em nosso território. Mesmo esses islamizados deram início a uma prática religiosa composta por elementos do Candomblé e do Islamismo. Esses negros ficaram conhecidos como malês, um grupo extremamente organizado que, inclusive, protagonizaram uma revolta que ficou conhecida como Revolta dos Malês (1835, na Bahia). Após essa revolta, o culto se desestruturou e, aparentemente, extinguiu-se, mas até hoje algumas de suas práticas são reproduzidas nos terreiros como o uso de roupas brancas, o uso de patuás, além de outras práticas e ritos mágico-espirituais.
REFERÊNCIAS
FERRETI, Sérgio E.
Sincretismo Afro-brasileiro e Resistência Cultural. Porto Alegre: Horizontes
Antropológicos, 1998.
SANTOS, JÁ. Diáspora
africana: paraíso perdido ou terra prometida. In: MACEDO, JR., org. Desvendando
a história da África [online]. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2008.
Diversidades series, pp. 181-194.
SOARES, Afonso Maria Ligorio.
Sincretismo afro-católico no Brasil: lições de um povo em exílio. São Paulo:
Revista de Estudos da Religião, 2002.
0 comments:
Postar um comentário
Deixe seu comentário mais seu nome completo e localidade! Sua interação é muito importante!