Lucélia Muniz
Ubuntu Notícias, 25 de abril de 2019
Via Carta Capital
O
governo Bolsonaro incentiva a militarização das escolas, mas o modelo está
longe de ser a solução para a educação no País
(...)
Com a nova composição do Ministério da
Educação, agora chefiado pelo economista Abraham Weintraub,
especialistas em educação acreditam que o tema da militarização deve ter menor
ênfase, dada a perda de espaço dos militares no poder, e o crescimento da
intenção de privatizar a educação.
Ainda assim, fica a pergunta: militarizar as escolas é um caminho para melhorar
a qualidade da educação brasileira?
Militarizar impacta a qualidade?
Desde
a campanha eleitoral, Bolsonaro tem citado
o bom resultado das escolas militares para defender o modelo. Mas será a
transposição para o ambiente escolar da disciplina dos quartéis a responsável
pelo “milagre”?
Alesandra
de Araújo Benevides e Ricardo Brito Soares, da Universidade Federal do Ceará,
se debruçaram sobre os números das unidades existentes no estado e fazem
algumas ponderações.
O
estudo atesta: em testes de desempenho, os alunos de escolas militares alcançam
de fato melhores indicadores. “No Enem de 2014, a pontuação média em Matemática
das escolas militares estaduais foi de 514,15 pontos contra 454,13 nas não
militares”, anota a pesquisa.
Tudo
resolvido, então? Longe disso. As/os pesquisadoras/es buscaram as causas dessa
diferença. Uma delas está no fato de que as unidades militares recebem mais investimentos do
que as escolas regulares.
“As
escolas do Ceará contam com alguma autonomia financeira, uma vez que recebem
recursos não só da Secretaria da Educação Básica, mas também da Secretaria da
Segurança Pública e Defesa Social”, explica Alesandra Benevides. Além disso, as
famílias dos alunos são obrigadas a pagar uma taxa anual, o que amplia as
receitas. Pergunta: com mais recursos, as escolas não militarizadas não
alcançariam índices semelhantes de aprendizado?
Há
ainda outro fator importante: o acesso às escolas militares não é tão fácil.
Uma espécie de vestibular seleciona os melhores estudantes, processo
inexistente nos demais estabelecimentos públicos.
Para
testar o impacto da seleção dos alunos no resultado do modelo, os pesquisadores
compararam o desempenho dos estudantes com o mesmo nível de proficiência em
escolas militares e não militares. A desvantagem, neste caso, despenca: “No
Spaece [Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará], a
distância cai de 50 para 18 pontos”, afirma Benevides.
Como funciona?
Quando
as redes públicas aderem à proposta, as escolas passam a ter uma gestão
compartilhada entre as secretarias de Educação e as Polícias Militares ou o
Exército. A parte administrativa fica nas mãos dos PM ou de oficiais das Forças
Armadas, que assumem postos na diretoria, administração e inspeção disciplinar.
A pedagogia, ao menos por enquanto, continua sob responsabilidade de
especialistas em educação.
A
melhora tão pouco significativa no desempenho escolar não parece compensar os
danos colaterais. No sistema militarizado, os alunos convivem com regras rígidas:
apresentam-se diariamente em ordem-unida (formação de tropa). As meninas são
obrigadas a usar coque e os meninos, cabelos curtos. Os PM ou militares
fardados atuam como bedéis e costumam transformar os intervalos de aulas e o
recreio em uma imitação dos banhos de sol em penitenciárias.
A
rigidez extrema preocupa os educadores. Segundo o pesquisador da Faculdade
Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), André Lázaro, “a escola não é
ambiente de obediência e hierarquia cega, mas de diálogo. No sistema
militarizado, não se discute, se obedece. Não se constitui cidadania se os
alunos não pensam. Alimenta-se uma ditadura”.
Andressa
Pellanda, coordenadora executiva da Campanha Nacional pelo Direito à Educação,
estudou em uma escola militar federal por sete anos e afirma que estes colégios
têm uma estrutura pedagógica – quadro de profissionais e estrutura física –
melhor que a dos colégios militarizados e passados para a PM. Ainda assim,
pondera questões importantes sobre sua vivência:
“O
colégio militar federal tem estrutura física e de quadros profissionais
excelente. Mas vivemos lá dentro, de forma estrutural, uma educação que não
ensina a ter voz e a debater as estruturas. O que salvava eram os professores
que, dentro da sala de aula, tornavam o ambiente mais crítico e democrático”.
Ela
acrescenta: “só fui aprender o que é ter a prerrogativa de fazer reivindicação
na universidade. E isso diz muito sobre o que se ensina para esses jovens de
colégios militares a respeito da democracia. Não somos
nós que construímos e refundamos as instituições, elas são como são e, como nos
falavam no colégio quando estávamos fora da regra ou quando questionávamos
algumas ‘ordens’, ‘aqui é assim, se não gosta, vai pra outro colégio’. Aceite
ou deixe. Não tente mudar ou dialogar. E isso é fundamentalmente
antidemocrático.”
Também
não convence a comunidade educacional o discurso de que as escolas militares
seriam capazes de conter a violência. A
educadora social e doutora em educação pela Faculdade de Educação da USP,
Irandi Pereira, entende ser necessário levar em conta não só o contexto
escolar. “A violência é estrutural e está ligada a diferentes demandas da
sociedade que muitas vezes não são cumpridas.”
Irandi
acrescenta: “Precisamos discutir a segurança da população, da comunidade, do
entorno onde estão não só as escolas, mas os centros de saúde, de cultura,
lazer. A violência está em todos os lugares por ausência de políticas públicas.
O que quero dizer é que discutir o ocorrido em Suzano é avaliar o que se passa
em uma sociedade refém da ausência do Estado e o que de fato são ações públicas
qualificadas que cuidem do cidadão, o considere, pense na evolução de uma
sociedade que reduza as desigualdades sociais.”
Esse
tipo de preocupação passa longe dos gabinetes de Brasília. Segundo Bolsonaro e
sua turma, a fórmula para a melhoria da qualidade da educação brasileira
resume-se a bater continência, hastear a bandeira e cantar o Hino Nacional. A
tendência é o País continuar a produzir analfabetos funcionais, mas
disciplinados.
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