Lucélia Muniz
Ubuntu Notícias, 20 de março de 2019
Via Congresso em Foco
Uma
das principais discussões políticas neste início de ano é a triste notícia da
existência de candidaturas
femininas laranjas para
utilização indevida do recém-criado fundo eleitoral. O fato descortina um outro
debate ainda mais sério – a reduzida participação política das
mulheres. E neste 8 de março, Dia Internacional da Mulher,
temos o dever de aprofundar este assunto.
Ao
longo da história, muito além das tarefas domésticas, do cuidar dos filhos, do
trabalho dentro e fora de casa, a mulher sempre buscou a conquista de direitos
que pudessem tornar a vida dela e de sua família melhor. Primeiro apareceram os
desafios, depois a luta por melhorias e as conquistas.
Desde
1911 que o mundo celebra o Dia
Internacional da Mulher. Em 1857 nesta mesma data, 157
operárias de uma fábrica têxtil perderam a vida queimadas porque lutavam contra
uma jornada de trabalho de 14 horas diárias. No Brasil, apenas em 1934 as
mulheres conquistaram o direito ao voto. Tão somente em 1962 o Código Civil foi
alterado para permitir que a mulher casada pudesse trabalhar fora de casa,
independente da vontade de seu marido. Nossa primeira deputada federal foi a
médica paulista Carlota Pereira de Queiroz, em 1934; já a primeira senadora,
apenas em 1979, foi Eunice Michiles, do Amazonas, suplente que assumiu após a
morte do senador João Bosco de Lima.
O
retrato que vemos hoje nos parlamentos brasileiros é retrato fiel de muita luta
contra o grande preconceito da participação da mulher na política. Não foi a
toa e muito menos em vão. Não estamos falando apenas de algo que muitos
denominam de feminismo, como se fosse somente um movimento ou fenômeno social.
Na verdade, estamos falando em um problema cultural em parte significativa da
nossa sociedade (inclusive de algumas mulheres) que pensa que lugar de mulher
não é na política.
E,
infelizmente, essa forma equivocada de pensar está enraizada também dentro dos
partidos políticos. Desde que obrigou os partidos políticos a lançarem um
percentual mínimo de candidaturas femininas, a regra eleitoral já foi alterada
quatro vezes.
Hoje
o que vale é que cada sexo só pode representar no máximo 70% dos pedidos de
registro de candidatura de cada partido, ou seja, tanto os candidatos quanto as
candidatas devem representar entre 30% e 70% do total de candidaturas. O mínimo
para as mulheres em boa parte das agremiações políticas virou teto de 30%. E,
assim, se um partido perde ou deixa de lançar um candidato homem, também perde
uma candidata mulher. Esta regra fez os dirigentes partidários enlouquecerem.
A
verdade é que poucos partidos se prepararam ao longo do tempo para formarem
quadros de mulheres para as eleições. Quase todos os partidos possuem fundações
mantidas com recursos dos fundos partidários e que poderiam atuar e trabalhar
para a mudança desta realidade, mas não é isso que assistimos. A maioria dos
partidos sequer possui vida orgânica, vivendo tão somente apenas de recursos
dos fundos partidários e de pleitos eleitorais a cada dois anos.
Na
última eleição o número de candidaturas femininas chegou a 31%, acompanhando a
determinação legal, embora o eleitorado de mulheres esteja em 52,5%, de acordo
com dados do próprio Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Mesmo assim, logo no
início da campanha de 2018, 37 partidos e chapas foram notificados ou
impugnados por descumprirem a regra.
A
medida acompanhada da obrigatoriedade de destinação pelos partidos políticos de
recursos do fundão eleitoral público e de tempo nos programas eleitorais do
rádio e da televisão, na mesma proporção (30%) para as candidaturas femininas
(decisão esta tomada pelo TSE em maio de 2018), alcançou um grande resultado:
aumento de 50% no número de deputadas federais eleitas – de 51 para 77.
Ainda
é pouco, mas para se ter uma ideia, o Brasil estava até recentemente na péssima
152a colocação no mundo, no ranking que analisa a presença feminina
nos parlamentos, conforme pesquisa da Inter-Parliamentary Union (IPU) em 2018.
Embora
a obrigatoriedade de cotas e de recursos seja uma medida contraditória e
polêmica, para muitos que ainda não entenderam sua importância, ela vem provando
que está no caminho certo. Em 1998, primeiro ano do regime de cotas para
mulheres tínhamos apenas 29 deputadas eleitas. Uma grande diferença do que
temos hoje. Vale fazer aqui um alerta: o senador Angelo Coronel, PSD-BA,
apresentou o PL 1.256/2019, para acabar com a obrigatoriedade dos 30%. Um
verdadeiro retrocesso na luta por uma participação mais efetiva das mulheres na
política.
Nesta
mesma direção assistimos atônitos às falas recentes de dirigentes partidários
colocando a culpa nas cotas para justificar o injustificável – o lançamento de
mais de uma centena de candidaturas de mulheres em todo o Brasil apenas como
figurantes, ou como estamos acostumados a dizer: laranjas, sendo que muitas
movimentaram recursos que em nada beneficiaram suas próprias candidaturas. Tudo
ainda está sendo devidamente investigado pela Polícia Federal e espera-se que
ao final não reste à conhecida impunidade.
Como
e por que mudar este quadro? Os parlamentos devem representar um retrato de
seus representados, os eleitores. Não é possível crer que pouco mais da metade
dos eleitores do país são mulheres e ter somente 15% de deputadas federais como
representantes. Mais do que isso, precisamos que a pluralidade esteja
representada. Que tenhamos congressistas com sensibilidade social e vontade
para enfrentar as mazelas da população e neste quesito as mulheres dão um show.
Como ter políticas públicas coerentes, adequadas e transformadoras para a vida
das mulheres sem a presença delas?
E
os números escancaram a necessidade de ações concretas: chegamos a ter 13
assassinatos de mulheres, por dia, na última década, de acordo com o Mapa da
Violência (OMS, Opas e ONU Mulheres). Ainda temos muito para conquistar.
A
sociedade cobra e já conquistou a Lei Maria da Penha
em 2006. A norma possibilita que agressores de mulheres em ambiente familiar
sejam presos em flagrante ou tenham sua prisão preventiva decretada. Também aumenta
o tempo máximo de detenção previsto de um para três anos. E prevê, ainda,
medidas que vão desde a remoção do agressor do domicílio à proibição de sua
aproximação da mulher agredida.
Em
2015, tivemos o surgimento da Lei do Feminicídio,
após a recomendação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre Violência
contra a Mulher. Com a lei os crimes de ódio baseado no gênero passam a ser
hediondos, recebendo tratamento especial. A definição de feminicídio foi
amplamente divulgada por Diana Russel – escritora e ativista feminista - em
1976, para definir a matança de mulheres por homens, porque elas são mulheres.
Com a divulgação e a mobilização, o parlamento foi cobrado e respondeu a
altura.
Outro
tema que ainda precisa ser tratado adequadamente no Brasil é a situação dos
crimes sexuais. Temos um caso de estupro a cada dez minutos no Brasil, 60 mil
por ano apenas falando dos casos notificados. Estima-se que o número seja ainda
maior por conta de ser um crime com alta subnotificação. Ou seja, temos razões
de sobra para defendermos a participação ativa da mulher na política mudando
políticas públicas.
Dezenas
de projetos atualmente tentam mudar este quadro, como a Agenda
50-50 lançada pelo Instituto Patrícia Galvão (IPG) e o Grupo de
Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades da Universidade de Brasília
(UnB). No último pleito, diversos movimentos e instituições de renovação na
política também buscaram incentivar e apoiar as candidaturas femininas, com um
sucesso considerável.
Enfim
a agenda é gigantesca. Muita coisa ainda temos a conquistar como a divisão
igualitária da responsabilidade, a igualdade salarial, o fim da proibição de
mulheres trabalharem em serviços específicos, sem contar todas as dificuldades
relacionadas com a sexualidade da mulher na sociedade.
Não
sejamos pessimistas. Temos que aproveitar o dia e celebrar esta nova
Legislatura. Além de uma quantidade relativamente maior de mulheres no
Parlamento, temos uma geração de mulheres com muita vontade de fazer a
diferença, de ser resistência e que já mostram para que vieram. Que em vez de
laranjas venham mais Tabatas,
Adrianas, Sâmias, Lizianes, Lídices, Rosanas, Talírias e Áureas. Tenho muito
orgulho de estar ao lado delas!
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