Lucélia Muniz
Ubuntu Notícias, 14 de janeiro de 2019
Mikhael
tinha 15 anos e cursava o nono ano quando
tirou a própria vida, dias antes do último Natal. Os pais
são Daniel e Isabela Mastral: ele é escritor e conferencista, 51
anos, e ela médica, 49. No início do ano, o adolescente que adorava estudar
inglês e era chamado de Mik pelos pais, foi diagnosticado com
depressão e síndrome
de Borderline, quando há mudanças de humor, medo de ser abandonado e
comportamentos impulsivos. Cerca de 10% dos pacientes cometem suicídio.
Em duas das ocasiões nas quais tentou o suicídio, foi
salvo pela mãe. No último dia 22, ela não pôde estar perto. Isabela, que
não conseguiu acompanhar o enterro de Mikhael devido à emoção, conta como tem
vivido até aqui. Seu relato foi feito à Universa com a ajuda do marido, Daniel.
"É
muito triste ver um filho abatido. Ele teve todo nosso amor, amparo,
acolhimento, orações. Teve também suporte psiquiátrico de perto. Não
levamos nenhum peso de culpa. Fizemos nosso melhor. Paramos nosso trabalho
para nos dedicar em tempo integral a ele. Nunca negamos um abraço. Eu também
tive depressão e Borderline. Demorou mais de dez anos para achar o tratamento
certo.
Mikhael
era um jovem bom, respeitador, honesto, puro e, muitas vezes, ingênuo.
Acreditava nas pessoas e no amor. Tratava todos como iguais. Passou a se
sentir um peso para nós. Ele sabia que estávamos tomando antidepressivos
também e achava que a vida dele estava nos matando. Dizia sempre que nos amava.
Antes
da doença se manifestar, Mik saía mais, sorria, brincava, estudava, fazia
planos. Aí ele mudou. Parecia ter girado uma chave. Caiu seu rendimento
escolar, não saía mais do quarto, passou a ter uma perturbação com sua
aparência. Estava com anorexia
e bulimia. Tampava o seu espelho para não se ver. Sua autoestima estava
baixa, e insistimos em estar com ele sempre. Mas era como ver uma luz apagando.
Dia a dia. Não se alimentava, não tomava banho.
Ele se afastou das redes sociais e
recebia poucas visitas. Achava que os amigos o abandonaram. Outros, para
piorar, ofereceram a ele álcool e drogas para "anestesiar" a dor. E
isso piora o quadro, como aconteceu.
Antes
deste episódio, houve uma intoxicação e consegui mantê-lo vivo. Ele ficou
internado em UTI por quatro dias, 16 horas em coma profundo.
No
dia 20 de dezembro, se feriu e conseguimos contornar novamente a situação.
Consegui novamente evitar que algo pior acontecesse. No dia seguinte, o
levamos a uma especialista em transtornos
em adolescentes e saímos com a esperança de conseguirmos uma vaga no HC
(Hospital das Clínicas de São Paulo) para tratamento. A médica considerou seu
estado bom. Ele saiu feliz da consulta, enxergando melhores possibilidades.
Nessa mesma sexta-feira, saiu para encontrar umas amigas.
Sábado,
dia 22, tentou novamente se matar e dessa vez não estávamos perto. Naquele
mesmo dia, no fim da tarde, a vaga do HC estava à disposição, mas era tarde
demais.
Ele
deixou seu diário. Lá, escreveu tudo o que estava sentindo, desde a primeira
tentativa. Escreveu do fundo
do poço. Vamos publicar o diário dele na data em que faria 16 anos, 15 de
fevereiro. É um relato feito por alguém muito ferido. Nós também vamos
apresentar nosso olhar nessa publicação, no site. Somos cristãos e Jesus nos
ensina que não é fraqueza expor a dor.
Espero
que ajude muitos a enxergar que depressão é uma doença e que essas pessoas
recebam mais empatia. Elas precisam de amor. Esperamos também que
preconceitos caiam. Não há como acrescentar mais dor e punição a quem está
tão ferido.
Peço que escolas e amigos não os
abandonem, não zombem, não julguem quem está nessa situação. Sejam pacientes,
abracem, acolham, visitem. Isso os faz se sentirem importantes.
Esgotamos
todos os recursos. Fizemos nosso melhor. Infelizmente, enquanto acharem que depressão
é "frescura" ou que é "demônio", os índices podem
aumentar. Falar sobre o tema é a melhor maneira. Papais e mamães: não carreguem
o fardo da culpa. Um dia, estaremos todos juntos.
Estamos
vivendo o luto. Dói profundamente. Como se uma estaca entrasse em seu peito.
Não 'briguem' com Deus. Nem esperem respostas rápidas. Tudo vem ao seu
tempo. A dor será transformada em saudade e ela em boas
lembranças".
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