Lucélia Muniz
Ubuntu Notícias, 04 de janeiro de 2019
Aqui
apresentamos uma análise elaborada pela psicóloga Gabriela Granero, vale muito
a pena a leitura.
Protagonizado por Sandra Bullock, o filme “Bird Box”, estreou na Netflix
já fazendo barulho e dividindo opiniões. Há os que não se agradaram, os que
gostaram muito e, como sempre, os que inevitavelmente comparam com o livro, já
que “Bird Box” foi baseado no livro de mesmo nome de Josh Malerman – publicado
no Brasil pela Editora Intrínseca com o título “Caixa de Pássaros”.
O filme mostra a história de pessoas que são obrigadas a viver
escondidas e vendadas, pois criaturas misteriosas e não visíveis para quem
assiste, provocam o suicídio em quem enxergá-las. O maior desafio da personagem
de Sandra Bullock é levar seus dois filhos para um abrigo em segurança, mas
todo trajeto deve ser feito com venda nos olhos.
Segundo algumas interpretações (muito bem elaboradas, diga-se de
passagem), a diretora dinamarquesa Susanne Bier usa o tema do “pós apocalíptico”
apenas como metáfora para passar outra mensagem: a questão da depressão que
afeta mais e mais pessoas em todo o mundo a cada dia.
Trailer do
Filme
Aqui
apresentamos uma análise elaborada pela psicóloga Gabriela Granero, vale muito
a pena a leitura.
No
início do filme a personagem principal tem dificuldade de se vincular e mostra
uma incapacidade de amar, pinta no quadro a solidão instaurada dentro de si, o
que evidencia seus sintomas depressivos e uma latente infelicidade. Correlacionado
ao período que vivemos na qual depressão é a doença do nosso século.
Depois o filme mostra que a “coisa” está se espalhando por todos países e ninguém está imune, a não ser aqueles que não olham, a “coisa” que se espalha, faz uma analogia a sociedade contemporânea, da qual está adoecida, e todos estão se contaminando só de olhar uns para os outros.
Esse
adoecimento contemporâneo pode ser visto na enorme quantidade de pessoas com
transtornos mentais (depressão, pânico, toc, TAG), além do isolamento social, a
invasão tecnológica, o excesso de consumismo, etc. O pânico é muito bem
representado no filme em diversas cenas, mas talvez a mais visível seja quando
estão indo ao supermercado e o personagem negro se desespera.
Esses
sofrimentos estão levando as pessoas aos suicídios, muito bem representada no
filme. Também podemos relacionar com a onda de suicídios coletivos ocorridos
nesses últimos anos, em pessoas de todas as faixas etárias.
Para
não se “contaminar” os personagens fecham os olhos, as vezes precisamos fechar
os olhos frente aos disparadores que causam adoecimento na contemporaneidade
para que possamos sobreviver, porém mais do que fechar os olhos é preciso
descobrir uma nova forma de viver.
Porém,
se reinventar constitui-se em um árduo trabalho, as vendas fazem alusão a:
Ah,
como é difícil se acostumar a viver de uma outra maneira.
A
travessia do rio no filme, representa a travessia diária que temos que fazer
para não nos contaminarmos/adoecermos, porém essa travessia não é um caminho
fácil mais composto de correntezas.
Além
do que muitas vezes é preciso fazer difíceis escolhas, como no momento que a
personagem tem que escolher entre o garoto e a garota. Quantas vezes na nossa
vida não nos vemos em um beco sem saída? Sem saber qual decisão tomar?
Outro
ponto são os “loucos” do filme, que fazem alusão aos transtornos mentais
inerentes em todos ser humano, na qual ninguém está imune a escapar.
As
cenas de suicídios, pânicos são chocantes e metaforicamente representam a
fragilidade humana, o desespero muito bem retratado no filme, é o desespero
interno que estamos vivenciando. Outro ponto que não pode ser esquecido, é com
relação aos pássaros, sensíveis a captar quando a “coisa” está chegando.
Quantas
vezes sentimos uma “coisa” que não sabemos nomear, as vezes não somos capazes
de reconhecer nossos próprios sentimentos. Em uma determinada parte do filme, o personagem Tom diz que teve
um sonho na qual os pássaros estavam em um ninho em cima da árvore, e eles
foram embora e voaram.
Essa
metáfora representa a liberdade emocional e social que todo ser humano almeja,
mas que é muito difícil encontrar. Somos como pássaros presos em gaiolas. As gaiolas
representam a escravidão evidenciada no filme, as vendas fazem analogia ao fato
de que não estamos vendo a gravidade da nossa situação, com o pânico instaurado
a única saída possível é o suicídio. Será que não estamos engaiolados?
Será
que não ouvimos vozes que nos querem convencer do contrário? Como a cena em que
estão na floresta, a atriz principal e as crianças ouvem vozes que a confundem.
Quantas vozes nos atrapalham o nosso crescimento emocional?
Por
fim, quando a personagem faz a travessia do rio, essa desenvolve a sua
capacidade de amar, Tom não vai com ela, pois essa travessia é única, muitas
vezes temos que fazê-la sozinha. O final do filme é o mais
surpreendente, os únicos que não foram contaminados são os cegos, outra
metáfora muito forte.
Eles não veem fisicamente, mas tem a habilidade de olhar internamente pra si, por isso não são “contaminados pela coisa”. Ao final a personagem principal, aprende a amar e a lidar com seus sintomas depressivos, a capacidade de amar a salva da sua solidão e dá sentido à sua vida.
Ao dar um nome ao garoto e a garota, fica nítido que ela perdeu o medo de se vincular. E perdeu o medo de perder as pessoas, já que essa perdeu sua irmã, sua amiga grávida e outros amigos.
Chegar
na comunidade é alcançar a liberdade, representada ao soltar os pássaros da
gaiola, chegar a comunidade é desejo de alcançar a “cura” e mais do que isso
fugir desse adoecimento contemporâneo.
Nessa
comunidade as pessoas estão convivendo uma com as outras e as crianças estão
brincando, e detalhe as crianças não estão no celular. Porém, ainda
sim, os personagens não alcançaram a liberdade em sua completude, pois estão
presos em uma “gaiola de pessoas”.
Será
possível alcançar a felicidade em sua plenitude? O conceito de
saúde mental de acordo com a OMS é “o completo bem estar físico, mental e
social.” Será possível alcançar essa completude? O sofrimento não é
inerente a nossa condição? Enfim, o filme está cheio de mensagens subliminares mas as vezes
estamos com os olhos vendados e não conseguimos ver.
Gabriela
Souza Granero é psicóloga, pós-graduada em psicoterapia psicanalítica pelo
Uni-Facef; Mestranda em Psicologia pela UFTM.
Fonte
indicada: Pensar Contemporâneo
Muito bom!
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