Lucélia Muniz
Ubuntu Notícias, 07 de agosto de 2018
Por
Antônio Hélio da Silva
Membro da Academia de Letras do Brasil
– ALB/Seccional Araripe-CE.
Assento Nº 28 Patrono: Antônio Girão
Barroso
Ventanias de agosto balançam árvores e
arbustos para afrouxar suas raízes na terra caatinga. Avisa aos troncos que as
seivas do solo serão umedecidas para sua degustação. É a fase preparatória para
a mega absorção compartilhada com todo o corpo do vegetal. Assim, agosto
prenuncia que a exemplo dos rabos de calangos e lagartixas; os caules da
caatinga vão ser renovados e crescidos a ponto de quebrar as regras gregorianas
e ter sua primavera fora de época. Sentida e apreciada pelas abelhas,
borboletas e cuitelinhos. E o sertanejo esperançoso da mesa farta imagina mil
coisas.
A terra e o sistema com seus fatores
climáticos e misteriosos deixam suspenses quanto ao inverno. As profecias
também convergem para isso. Eu criança convivendo na roça vivia esses
fenômenos. Precisou alguns anos para vê-los. Os anos passados vendo com mais
atenção a natureza, serviram de conexões para interligar aquele tempo com o de hoje
mais consciente ao observar o ambiente em que vivo.
Em agosto, as folhas que já estão
amarelando de medo da “seca feroz” e outras já cinzentas, letalmente enganchadas
entre garranchos, balseiros e espinhos judiados pelo assovio da cigarra, são
levadas ao chão pelos ventos do agosto de muitos gostos. E as mesmas folhagens
que ontem emergiram da terra invisivelmente na ótica do olhar físico, veiculadas
pelas entranhas da vegetação; voltam ao chão. O oitavo mês faz a transição de
retorno sem muitos alaridos. Apenas ele encarrega os ventos suis de tal missão.
O homem do sertão vivendo no campo ou
nas bucólicas cidades quase sempre nem percebem as ações dos ventos capoeira afora.
As folhagens emolduram a terra formando crostas para suavizar o calor na
superfície, simultaneamente preservando os nutrientes. Viram húmus e bolores que
simbioticamente agem para esperar as primeiras chuvas. Até o sol de agosto é
mais suave em nosso corpo e na face do solo. Não que ele diminua sua estupenda
temperatura.
Mas a brisa que o vento deixou gera
uma camada protetora extensiva a todos sem acepção. E refrigera capoeiras,
tabuleiros e pradarias onde as corujas se pronunciam no anoitecer. E o show da
natureza acontece para sinalizar ao homem que sua parte de boas ações e
cuidados com a terra maltratada está pendente e é para ontem. Uma delas é
deixar de fazer queimadas.
Se avizinha o fim do ano e a chuva é
esperada pelos vegetais e animais, incluindo os humanos. Enquanto a chuva não vem,
a noite unta a terra com sereno numa sutileza estrondosa que somente a natureza
linda e bela sabe contar. As noites são confidentes das ações do planeta ao
longo dos anos. Os primeiros pingos raleados de serenos resvalados pelas galhas
“esclerosadas” pelo tempo seco e folhas ainda restantes; formam adubos para a
safra da biodiversidade a se revigorar no sistema caatinga.
E observa-se amortização do calorzão
para diminuir o choque térmico na terra, pensando a sábia natureza nos húmus,
bolores, germes e cogumelos silvestres que não devem ser destruídos. É o
preparo para a orgasmologia do pai sol com mãe terra a tudo gerar e criar. E é tão
magnifica a fidelidade desses dois um com o outro, que tudo flui para a consumação
do ato da fecundação e germinação.
Logo no início de agosto, o pica-pau
começa suas brocas cortando galhas dos tamboris e graviolas. “Via de regra”,
essas árvores ficam nos monturos das casas dos agricultores. Tal atitude do
passarinho é para dizer ao homem que está na hora de fazer suas brocas porque
vai ter inverno.
Setembro intermedia o vento de agosto
com o calor de outubro sufocado pelas fumaças das brocas queimadas. O vapor vai
às nuvens noticiando que a terra explode caso não chova. Por isso os invernos
intercalados. Enquanto há primavera em outras regiões do Brasil, no Nordeste é
sol de rachar o quengo do coco. Se em sequência por muitos anos, a terra seria
torrada. E com ela nós habitantes da sua superfície.
Outubro que só aparenta outono com a
grafia, é indiferente a tudo relativo a pomares e frutas. O Nordeste é
diferente do Brasil. Novembro processa
tudo para dezembro distribuir e gerir. A passarada já vai cingindo seus ninhos
ao som dos seus cantares para as conquistas de seus grandes amores. Os projetos
de suas fecundações são ponderados pelos machos e fêmeas. Alguns só namoram se
tiverem certeza que haverá sementes e frutas para pôr nos bicos borrachudos dos
indefesos e lindos filhotes.
A coruja, se a concupiscência for mais
intensa e real do que a profecia das chuvas; não gerando alimentos para seus
filhotes nascidos, ela os come literalmente. Aproxima-se dezembro. Quase todas
as brocas já queimadas e cercadas. O mais tardar em início de janeiro é todo
esperado de chuva. Dar-se conta de que houve certo clima demorado para
osgasmologicamente; terra e sol se completarem. As estrelas enciumadas com as
relações sistêmicas dos dois na baixa latitude, num climão bacana, são
percebidas pela lua.
Esta, musa do romantismo, querendo que
a coisa esquente, nem clareia na noite que a chuva está para cair. Ela é cupido
do programa e não se esquiva do que sabe. Vai sondar tudo escondida detrás das
nuvens. As nuvens, num conchavo de cumplicidade, engrossam-se. E formam um
lençol azulzinho para acontecer a escuridão a profetizar aos sapos que é
chegada a noite de sair dos buracos e grotas para acordar o mundo. Desencaracolar
os membros para nadar na lagoa.
Limpar as goelas com água fresca para
o concerto da primeira madrugada de inverno. As nuvens também avisam as
formigas para criarem asas e voarem para escapar das enchentes. A noite tudo
ver. Mas não diz seus segredos para ninguém. Coincidência ou não a primeira
chuva é sempre a noite. Inquietas as nuvens pelo peso da consciência com o planeta
ressequido, se chocam entre si, fenomenizando o relâmpago seguido do trovão. O
sertanejo bicho e homem se anima.
Já acomodados para o repouso, os
primeiros pingos concretizam a chuva no telhado feito de barro queimado. É
romantismo! É chuva! É inverno. O bioma está em festa! O sol e a terra se
amando! Sapos mais lerdos só saem do esconderijo quando ele se enche. Com os
mais ativos, o coro noticia ao mundo da caatinga que já é inverno. E há muitas
águas rolando.
O dia nasce com o sol. No terreiro
cabritos escaramuçando. Meninos com os pais nos barreiros, nos açudes e riachos
olhando as cheias. O café fresquinho nas trempes e a mãe recomendando que tomem
e demorem para sair na frieza se não dá congestão e morrem. O agricultor sai de
casa para trabalhar em dobro comparando com o período de verão. No segundo dia da
chuva – Ato orgasmológico da natureza, a babugem aponta. São filhas precoce da
esperança do nordestino que habita a caatinga.
A terra é gestada pela chuva e pelo
sol. O homem a engravida com a enxada. Com friagem ou mormaço, coloca sementes
no seu útero. Não faltando chuva, o parto é certo. Em 20, 30 dias, ainda em
janeiro – Não havendo estiagem, a primavera de setembro em outros lugares chega
ao sertão com as primeiras flores silvestres. E não demora a florada do feijão.
Neste estágio da caatinga, a vegetação
que fora desfolhada e seca pelo verão prolongado, se encontra verde e
enfolhada. Só a caatinga tem esse poder. O milagre da natura do Nordeste.
Texto de extraordinário valor estético. A vida de nossa natureza nordestina exposta de maneira primorosa. Antônio Hélio de fato honra sua condição de beletrista.
ResponderExcluirO oh de casa da invernada no árido coração nordestino!.
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