Lucélia Muniz
Ubuntu Notícias, 29 de agosto de 2018
Via Congresso em Foco
A
apresentadora do Jornal Nacional Renata Vasconcellos reagiu a uma insinuação do
candidato a presidente Jair Bolsonaro (PSL) sobre seu salário. Em entrevista na
terça-feira (28), o ex-capitão insinuou que Renata recebe um salário menor do
que o seu colega de bancada, William Bonner - que, na verdade, tem atribuições
distintas, por acumular a função de âncora com o cargo de editor-chefe do
telejornal.
Questionado
sobre seu posicionamento em relação às diferenças salariais entre homens e
mulheres, o candidato se referiu aos jornalistas: "Eu estou vendo aqui uma
senhora e um senhor, eu não sei ao certo, mas com toda certeza há uma diferença
salarial aqui. Parece que é muito maior para ele do que para a senhora. São
cargos semelhantes".
Bolsonaro,
então, foi interrompido pela apresentadora, que disse: "Eu poderia até,
como cidadã, fazer questionamentos sobre os seus proventos porque o senhor é um
funcionário público, deputado por 27 anos, e eu, como contribuinte, ajudo a
pagar o seu salário. O meu salário não diz respeito a ninguém. E eu posso
garantir ao senhor, como mulher, que eu jamais aceitaria receber um salário
menor de um homem que exercesse as mesmas funções e atribuições que eu".
Ficou
com Bolsonaro, porém, a última palavra. Ele sugeriu que os salários dos
apresentadores, assim como de todos os funcionários da maior TV aberta do país,
são pagos com dinheiro público, sim. “Vocês vivem, em grande parte aqui, de
recursos da União. São bilhões que vocês recebem da União para o sistema Globo
de recursos da propaganda oficial do governo”, reagiu.
O
candidato disse que seria ingerência se ele, como presidente da República,
tomasse alguma atitude para reduzir a diferença salarial entre homens e
mulheres que exercem a mesma função. “Se a lei não está sendo cumprida, a
quem compete resolver? À Justiça e ao Ministério Público do Trabalho”,
argumentou.
Em
outro momento da entrevista, Bolsonaro sugeriu que a Globo descumpre a
legislação trabalhista ao contratar funcionários não pela CLT, mas como pessoa
jurídica. Os entrevistadores fingiram não ouvir e mudaram de assunto.
"Vamos falar agora de economia", cortou Bonner.
A
sabatina ao Jornal Nacional foi a segunda de uma série de quatro entrevistas
que o telejornal realiza com os candidatos mais bem posicionados nas pesquisas
eleitorais. Na segunda-feira (27), o entrevistado foi o candidato do PDT, Ciro Gomes.
Nesta quarta-feira é a vez do tucano Geraldo Alckmin. Quem encerra a série é a
presidenciável Marina Silva (Rede).
"Roberto
Marinho foi ditador?"
Como
havia acontecido na GloboNews, Jair Bolsonaro, que é capitão do Exército, foi
confrontado com o tema ditadura militar. E, de novo, usou o ataque como arma em
seu favor, lembrando que o grupo apoiou o regime autoritário de 1964/1985.
Bonner
quis ouvir a opinião do candidato sobre a declaração do seu vice, o general
Hamilton Mourão, de que os militares poderiam "impor" soluções para a
crise. O candidato disse que tanto ele quanto o seu vice são militares na
reserva e que não querem fazer nada pela força. E acrescentou: "No meu
entender, foi um alerta que ele deu".
Bonner
quis saber em que situações seria o caso de os militares imporem alguma
solução. Também recordou que os historiadores não têm a menor dúvida de que o
que ocorreu em 1964 foi um golpe. Eis os principais trechos do diálogo
que se seguiu:
"Que
solução seria essa?", perguntou Bonner.
“Isso
aconteceu em 1964...”, começou a responder o candidato.
“Nós
estamos em 2021”, devolveu o apresentador, enganando-se quanto à data do ano.
(...)
“Deixa os historiadores pra lá. Eu fico com Roberto Marinho. O que ele declarou
no dia 7 de outubro de 1984..."
"O
senhor vai repetir?", indagou Bonner.
"Eu
vou repetir aqui. Participamos da revolução democrática de 1964, identificados
com os anseios nacionais de preservação das instituições democráticas,
ameaçadas pela radicalização ideológica, distúrbios sociais, greves e corrupção
generalizada. Repito a pergunta aqui: Roberto Marinho foi um ditador ou um
democrata?", referindo-se ao ex-proprietário do grupo Globo, falecido aos
99 anos em 2003.
Violência,
cola na mão e seminário LGBT
Jair Bolsonaro
confirmou ter dito que violência se combate com mais violência ainda. Ao falar
sobre o enfrentamento a criminosos armados em comunidades, o candidato chegou a
afirmar: "Como você tem que tratar essas pessoas? Você tem que
atirar".
Também
foi perguntado sobre o fato de criticar a velha política e, ao mesmo tempo,
estar na política há 27 anos, assim como sua família (Bolsonaro tem três filhos
parlamentares). O candidato respondeu que sua crítica é direcionada a famílias
de políticos envolvidos em esquemas de corrupção. Argumentou ainda que sua
família nunca esteve envolvida com corrupção e que ficou fora da Lava Jato.
Na
área de economia, foi mais uma vez perguntado sobre seu baixo conhecimento
do tema e sua dependência do economista Paulo Guedes. Como agiria na hipótese
de desentendimento. Dirigindo-se a Bonner, que é separado da também global
Fátima Bernardes, comparou a situação com a de um casamento. "Estamos
namorando há vários meses, vamos casar. Ninguém casa pensando em separação. Se
a gente tiver de se separar lá na frente, vai fazer o quê? Arruma outro",
disse.
O
candidato - que tinha uma "cola" escrita na mão esquerda com as
palavras Deus, família e Brasil - respondeu questionamento dos jornalistas
sobre declarações passadas, como quando disse que "vizinho gay desvaloriza
o imóvel". Negou ser homofóbico e pediu desculpas. "Foram algumas
caneladas", afirmou.
Ele
admitiu ter cometido exageros verbais e os atribuiu ao contexto em que falou: a
realização, em pleno Congresso Nacional, do "nono seminário LGBT
infantil". Ele tentou mostrar uma cartilha que o Ministério da Educação
preparou, para distribuir nas escolas, com o objetivo de enfrentar a homofobia.
"Tirem
as crianças da sala que eu vou mostrar, isso é um livro escolar, está sendo
distribuído em escola pública", prosseguiu, afirmando que se insurgiu
contra uma iniciativa pública que estimularia a homossexualidade. Foi
impedido pelos apresentadores de exibir páginas do livro.
A
Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDH), logo
após a entrevista, esclareceu que não houve evento "LGBT infantil" e
que o seminário efetivamente realizado teve como único objetivo prevenir a
discriminação contra a população LGBT. "O candidato Jair
Bolsonaro afirmou que foi realizado um seminário LGBT infantil no Congresso
Nacional em 2009.
A
afirmação é falsa. A verdade é que em maio de 2012 a Comissão de Direitos
Humanos e Minorias e a Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados
realizaram o IX Seminário LGBT no Congresso Nacional - Respeito à Diversidade
se Aprende na Infância: Sexualidade, Papéis de Gênero e Educação na Infância e
na Adolescência", informou a CDH.
Nota
do grupo Globo
Após
encerrada a entrevista, William Bonner retomou o tema Globo/ditadura militar
lendo a seguinte nota:
“O
candidato Jair Bolsonaro disse há pouco que Roberto Marinho, identificado com
os anseios nacionais de preservação das instituições democráticas, apoiou
editorialmente o que chamava então de revolução de 1964. É fato. Não somente O
Globo, mas todos os grandes jornais da época. O candidato Bolsonaro se
esqueceu, porém, de dizer que em 30 de agosto de 2013 O Globo publicou
editorial em que reconheceu que o apoio editorial ao golpe de 64 foi um erro.
Nele, o jornal diz não ter dúvidas de que o apoio pareceu aos que dirigiam o
jornal e viveram aquele momento a atitude certa, visando ao bem do país. E
finalizava com estas palavras: ‘À luz da história, contudo, não há por que não
reconhecer hoje, explicitamente, que o apoio foi um erro, assim como
equivocadas foram outras decisões editoriais do período que decorreram desse
desacerto original. A democracia é um valor absoluto e, quando em risco, ela só
pode ser salva por si mesma’. Fecha aspas.”
Veja
a íntegra da entrevista de Bolsonaro ao Jornal Nacional:
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