Lucélia Muniz
Ubuntu Notícias, 23 de maio de 2018
Fernando Henrique Soares da
Silva Teles é graduado pelo Centro Universitário Leão Sampaio em Psicologia,
com experiência na área de atendimento clínico e de psicologia escolar. Um dos
membros fundadores do Grupo de Estudos de Filosofia Nietzscheana. Foi membro do
Grupo de Pesquisa em Psicologia Positiva e a Filosofia de Paulo Freire. Foi
monitor da disciplina de Teorias Psicológicas em Fenomenologia-Existencial.
A iniciativa da Palestra é
parte de um projeto desenvolvido por um grupo de alunos da EEEP Wellington
Belém de Figueiredo de Nova Olinda-CE sob a orientação da Professora Expedita
Nascimento.
O palestrante começou dizendo
que a princípio parecia estranho o título da Palestra ser A Força da Vida e a
abordagem a cerca de suicídio e automutilação. “ Como é possível que na vida onde se costuma falar tanto do instinto
de sobrevivência, alguém tenda a se danificar, seja pela automutilação, seja
pelo suicídio?”, indagou.
Em seguida argumentou sobre a
relação existente entre os dois temas: suicídio e automutilação. Seriam esses,
temas que exercem uma contrariedade à vida?, continuou. Depois o psicólogo
sugeriu que fosse usado o termo autolesão ao invés de automutilação.
Por fim, disse existir uma
relação entre a autolesão e o suicídio, havendo uma aproximação entre os dois
temas. Porém, enfatizou que há também um distanciamento entre os dois temas,
pois quem pratica autolesão necessariamente não vai cometer suicídio.
Daí a palestra se fundamentou
em o porquê acontece a autolesão e o suicídio e o que poderá ser feito diante
do estudo desses dois temas. Destacou que é exatamente na adolescência onde
acontecem a maioria dos casos de autolesão e tentativas de suicídio.
A partir de um embasamento
filosófico e da psicologia, Fernando Henrique, falou que A Força da Vida pode
ser compreendida a partir do conceito de vida enquanto um conceito amplo, uma
vez que cada pessoa vai definir o que entende como vida. “Por mais que a gente pense que autolesão e o suicídio no primeiro
momento são comportamentos contrários à vida, estes só podem surgir a partir do
que a vida oferece de bom ou de ruim,” afirmou.
Daí de acordo com uma
fundamentação filosófica, a vida seria composta por uma relação de forças entre
os diversos elementos que a compõe. Então, essa relação de forças surgiria na
medida que nos relacionamos exercendo um comportamento que nos afeta mediante
essas relações. “A gente é afetado uns
pelos outros, a relação de forças quer dizer isso... que eu na minha existência
afeto o mundo e esse mundo afetado me devolve e me afeta também”, disse
Fernando Henrique.
O palestrante, então,
explicitou que essas forças são classificadas em FORÇAS ATIVAS (independência,
liberdade, alegria, criatividade, por exemplo) sendo o que nos impulsiona a
criar, a viver, a desejar e as FORÇAS REATIVAS (submissão, pressão, perda do
controle, por exemplo).
Logo a força ativa tem uma
maior independência, ela é dominante, se confunde com o acontecimento e com a
força do novo. Já a força reativa tem seu funcionamento posterior a uma força
ativa e o seu desejo por depender da realidade da força ativa está além de sua
potência.
No entanto, há um bem-estar
entre as duas forças. Agora o que pode acontecer num cenário de acumulação de
forças reativas? “Isso poderia ser
caracterizado por um momento de sobrecarga onde falta tempo pra você fazer o
que tem que fazer, falta tempo pra você mesmo, o stress acumulativo, sensação
de impotência, uma tensão que não passa,” afirmou.
Ele disse ainda que
independente do momento, somos compostos pelas duas forças que variam em
proporção dependendo de cada situação. “Nós
enquanto sujeitos temos características próprias a nossa humanidade que são
constituídas principalmente de forças reativas (consciência do mundo, a
memória, a racionalidade),” enfatizou.
Quando as pessoas começam a
lidar com o passado e o futuro, o que aprendemos enquanto crescemos, surgem
algumas situações como a diferença entre o que a gente é e o que a gente quer
ser, problematizou para explicar a questão.
Quando você não é o que você
quer ser, quando a pessoa passa por esta experiência, esta é uma situação
primordial para entender os comportamentos de autolesão e de suicídio. Isso
desenvolve dois sentimentos: o da culpa por a gente não atingir o nosso desejo
e o da dívida porque ficaremos em dívida com os outros por não sermos o que
eles esperam de nós, explicou.
Visto do âmbito da
psicologia, a partir de alguns autores, “quando o organismo não pode expressar
plenamente o seu desejo, ou seja, não pode ser apenas força ativa, quando a
pessoa não pode expressar sua sexualidade completamente, não pode expressar
suas vontades seja de trabalho, seja de relação de amizade plenamente, há um
bloqueio da energia gerado por seu desejo”, destacou.
Logo, quando esta energia é
bloqueada, ela será retida no corpo, podendo se expressar na forma de tensão na
região do pescoço e dos ombros (stress retido no corpo), uma dor no meio do
peito (angústia), uma raiva que chega a deixar manchas pelo corpo, por exemplo.
“Existe uma parte dos nossos comportamentos ligados ao
nosso desejo que nós não temos controle sobre eles e que a gente vai precisar
de estratégias aparentemente loucas e irracionais, mal planejadas, para que a
gente dê conta desses desejos que causam conflitos para a nossa vida”, explicou o Psicólogo Fernando Henrique.
Dentro da palestra foi
discutido alguns textos com relatos de jovens que ilustram essa situação:
jovens que se cortam e sentem dor e culpa, sentimento de raiva. Jovens que
tentam aliviar sua própria dor causando mais dor a si mesmo (autolesão). As
situações mostram um conflito de desejo entre “o querer, mas não posso”. Um
conflito que vai aumentando e se acumulando. A raiva que se apresenta como um
desejo que não pode ser realizado, reprimido no corpo que é tensionado.
Onde entraria o trabalho do
psicólogo numa situação destas? Fernando Henrique explicou que seria formular
qual a origem do problema. “Porque a
pessoa que procura a psicoterapia, nem ela mesmo sabe porquê sente o que sente”,
disse. Continuou: “Quando surgem estas
tensões entre o que se quer e o que se pode, isso em algumas pessoas se acumula
no corpo em um nível tão alto que só a elevação da dor é capaz de fazer ela
escoar”, citou. Assim para algumas
pessoas, o ato de se cortar é uma forma de suportar essa dor.
Porém, esta é uma solução
parcial, momentânea onde o problema real, causador do conflito, não é
resolvido. Enfatizou que a autolesão não se trata de uma questão de “frescura”,
não é uma coisa que a pessoa faz apenas para chamar a atenção. E, que não pode
acontecer uma remoção forçada desse comportamento, pois a autolesão configura-se
como uma forma de aguentar mais a situação de conflito. Logo, remover de uma
forma irresponsável pode levar a outras formas mais destrutivas onde a pessoa
vai buscar lidar com o conflito que está vivendo.
Outra conclusão mostrada pelo
Psicólogo Fernando Henrique é que o problema não é individual, ou seja, se uma
pessoa provoca a autolesão, a gente não tem que focar apenas na pessoa, mas
procurar entender a relação dela com os ambientes em que vive.
Aí entra qual o papel da
família sobre esta pessoa, da escola, da religião, da sociedade. “Temos que entender que a autolesão, não é
apenas uma coisa contra a vida, mas uma tentativa, a princípio, de se afastar
da morte, da destruição,” destacou.
Já o suicídio, para Fernando
Henrique, traz alguns aspectos diferentes da autolesão. Portanto, não existe um
tipo de suicídio. Este pode ser voluntário onde a pessoa tem plena consciência
do que está fazendo, não está fazendo por satisfação e não é devido a presença
de alguma doença letal. Este pode ter como motivo, a interação social. “O suicídio, diferente da autolesão, leva a
uma destruição absoluta, um ponto sem volta,” frisou.
No entanto, lembrou que nem
toda tentativa de suicídio ocorrerá completamente, mas existe uma ideia de que
se tem a coragem de atingir um ponto de onde não se pode mais voltar. Observou
que também se trata de uma questão de conflito, a questão de um querer e não
poder, sendo uma forma de se resolver esta questão diferente da autolesão que é
uma forma de tolerar, sendo o suicídio a única solução possível para o conflito
apresentado.
“O problema que se busca resolver através do suicídio,
não é apenas um problema da pessoa, é um problema tão grande, tão geral, que a
única coisa que resta é a pessoa se dá em sacrifício para tentar solucioná-lo”, explicou.
Ainda destacou que não cabe a
gente julgar de uma forma racional. Disse que a Psicanálise divide o suicídio
em dois tipos: atuação onde a pessoa entende que precisar falecer para resolver
o conflito que está vivendo. Só que quando chega o momento outro impulso
inconsciente dá a ela um medo de atingir este ponto, seja um medo do que tem
depois da morte, seja um medo de que aquilo não vai dá certo, que vai doer
muito. Nesses casos a um afastamento, uma interrupção, designando os casos onde
as pessoas diversas vezes tentam suicídio sem conseguir. É importante não fazer
julgamentos, pois isso só agrava o caso, porque a pessoa já está tentando
solucionar um conflito e as pessoas ao julgarem estão criando mais um conflito.
O outro tipo de suicídio é
denominado pela Psicanálise de “passagem ao ato” onde as pessoas conseguem de
forma muito planejada efetivar o suicídio. É chamado de “passagem ao ato”,
porque pra este tipo de caso ocorre uma diminuição da consciência, da
racionalidade onde as pessoas agem sem pensar. E é considerado o caso mais
grave, pois viola a vida.
Sobre as considerações finais
da Palestra ministrada pelo Psicólogo, Fernando Henrique: “Esses temas dizem respeito a todos, pois as causas dos mesmos estão
nas nossas relações de afetos, de tensão, de criação... isso está muito ligado
aos afetos que a gente vive e aos afetos que a gente promove,”
completou.
“O que prende uma pessoa aos comportamentos são os
afetos que ela vivencia e os mesmos não são racionais. Eu não consigo controlar
o que as pessoas sentem por mim nem o que eu sinto por vocês”, disse.
Por isso, não se pode tentar
num tratamento para quem pratica autolesão ou já tentou suicídio, tentar apenas
uma coisa argumentativa, de racionalidade. É necessário tomar como ponto de
partida a parte irracional, isto é, daquilo que a pessoa sente, das coisas que
ela vive. Um trabalho complexo, mas onde é possível modificar o afeto a partir
de novas experiências.
O Psicólogo Fernando Henrique
ainda indagou: “Será a autolesão e o
suicídio a melhor forma de tentar resolver os problemas que aparecem? Não,
porque eles agem apenas sobre os sintomas, agem apenas pra gente aguentar um
pouco mais, porém o problema real das nossas relações pessoais, das nossas
relações com as instituições, com a família, com a religião, não se resolvem.”
Em seguida, o mesmo, listou
algumas medidas do que fazer: tentar alcançar uma proximidade entre o que nós
somos e o que nós queremos fazer; buscar o acompanhamento de um profissional da
saúde; não devemos nos afastar da luta de tornar o mundo mais plural (lutar
pelo direito das pessoas serem o que elas querem ser); o primeiro passo é
sempre escutar, um comportamento que pode parecer simples ao invés de ficar
indicando mudanças ou repreender a pessoa.
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