“A decisão
do STF (Supremo Tribunal Federal) de estabelecer que o ensino religioso em
escolas públicas pode ter caráter confessional, ou seja, que as aulas podem
seguir os ensinamentos de uma religião específica, levantou dúvidas sobre a
forma e o prazo de implementação da decisão nas unidades escolares.”
Confira a transcrição de trecho da entrevista do Professor e Pastor da Igreja
Batista do Caminho, Henrique Vieira, feita no programa
Conversa com Bial na qual ele fala sobre os motivos de ser contra esta medida e
critica o fundamentalismo que gera ódio e mortes no Brasil.
Sou Pastor,
sou cristão, sou evangélico, mas eu entendo que nós temos que defender o estado
laico. O estado laico, ele não é contra as religiões até pelo contrário, ele
que resguarda a liberdade religiosa, não interfere nessa decisão que é
individual. Então pela lógica do estado laico que resguarda a liberdade
religiosa, no meu entendimento, a minha defesa é que é melhor não ter o ensino
religioso nas escolas.
Porque mesmo
facultativo, mesmo o ensino facultativo, acaba gerando um certo
constrangimento, uma certa inibição. A gente vive num país de cultura hegemônica
cristã é preciso reconhecer isso! Eu reconheço isso como cristão! No limite o
ensino religioso confessional, ele acaba numa lógica de doutrinação, de imposição.
E, eu creio que a fé nasce nesse campo da liberdade do coração, da
espontaneidade, da experiência.
Quando um
professor de química vai apresentar a tabela periódica não se espera que ele
apresente alguns elementos e não apresente os outros. É um exemplo da química,
mas eu quero transpor para o debate no ensino religioso. Porque quando você historicamente,
porque temos que olhar para o que vem acontecendo ao longo do tempo no
cotidiano escolar. Quando historicamente você apresenta uma religião como referencial,
ainda que seja a minha, cristão, pastor e evangélico, você não está contando a
história de outras religiões.
Então, você não
está ensinando de forma ampla as diversas matrizes religiosas que compõe a
história do mundo e a história, por exemplo, do nosso país. E o que é grave?
Quando você não conta a história da religião de um povo, você apaga a memória
desse povo, você apaga a identidade desse povo e daí a violência que esse povo
sofre no dia a dia quase é aceita socialmente ou naturalizada.
Em outras
palavras, mesmo como cristão, eu quero reconhecer que historicamente um país
profundamente racista e desigual trouxe isso para o ambiente escolar, invisibilizou
a nossa ancestralidade de matrizes religiosas africanas e isso tem a ver como
uma certa violência maior e seletiva contra as religiões de matriz africana.
Estou aqui
como pastor, como cristão, como evangélico, dizendo que o ensino confessional
que historicamente no Brasil é cristão acaba trazendo invisibilidade para
outras matrizes religiosas. E quando você apaga a religião de um povo, você apaga
a cultura desse povo. Quando você apaga a cultura desse povo, você cria um
ambiente para que esse povo seja violentado.
O fundamentalismo,
ele impossibilita o diálogo e a aceitação do diferente. O extremismo é quando
esse fundamentalismo é levado a ações extremas e se materializa em violência simbólica,
psicológica e física. No Brasil é preciso falar além de intolerância religiosa
em racismo religioso.
A intolerância
é fruto do fundamentalismo e isso sempre existiu. No Brasil, a intolerância, eu
diria que é potencializada e agravada pelo elemento racista. Então, tudo aquilo
que vem da experiência negra, da culturalidade negra acaba ganhando um aspecto
de maior repulsa. Isso leva a uma perseguição contra as religiões de matriz
africana.
Dentro do próprio
cristianismo, vem cá, porque o Jesus branco é tão natural e o Jesus negro tem
que ser explicado? Por que os anjos são sempre brancos? E, por que a cor do
pecado é sempre preta? A gente nem percebe que o elemento do racismo vai
tomando conta das nossas memórias, dos nossos referenciais, das nossas imagens.
Então, respondendo
você objetivamente, a educação religiosa que pra mim não tem que acontecer no
ambiente escolar. Ela tem que explicar que o fundamentalismo e extremismo geram
morte. Quando uma pessoa vai pra televisão ou usa um púlpito no congresso e
destila ódio, aquele púlpito e aquela tribuna tem sangue.
O
fundamentalismo, ele pode ser mais propenso em religiões mais dogmáticas que
fecham a verdade em algo absoluto e não olham para o diálogo. Mas assim, eu vou
resumir numa frase: Jesus não morreu quentinho numa cama nem de velhice. Ele
foi assassinado. O que significa isso?
Jesus foi
torturado porque assim são os crimes de ódio. Não basta matar. É preciso impor
o sofrimento e fazer a pessoa sentir a dor de ser quem ela é... então resumindo,
pra falar um pouco da minha experiência de fé, sendo Jesus vítima de discurso
de ódio, de intolerância e de violência, é no mínimo uma contradição usar o
nome de Jesus para fazer aquilo que o matou.
Então, acho
que a educação religiosa tem que educar contra o fundamentalismo, contra o
extremismo, contra o racismo em prol de uma ética comum.
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