por ASCOM -
publicado 07/08/2017 15h04. Última modificação 16/08/2017 15h09.
Pesquisadores
do Instituto Nacional do Semiárido (Insa), entidade vinculada ao Ministério da
Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), criaram um catálogo com
cerca de 100 plantas da Caatinga tradicionalmente usadas pelas comunidades do
sertão de Pernambuco no combate a doenças. O poder medicinal das plantas foi
comprovado cientificamente em laboratório. A ideia é fazer um e-book desse
catálogo e colocá-lo na internet para o acesso de toda população. O estudo, no
valor de R$ 750 mil, foi financiado pela Superintendência de Desenvolvimento do
Nordeste (Sudene).
Para coletar
informações, um grupo de 30 cientistas de diferentes universidades e institutos
de pesquisa do país, incluindo o Núcleo de Prospecção e Conservação da Caatinga
do Insa, viajou cerca de 30 mil quilômetros. Foram aplicados mais de 200
questionários etnobotânicos sobre o uso das plantas em 50 comunidades
tradicionais e quilombolas, localizadas nos municípios de Lagoa Grande, Santa
Maria da Boa Vista, Petrolina, Buíque, Tupanatinga e Ibimirim – os três últimos
no Parque Nacional do Catimbau.
"O
perfil dessa população é frágil porque são mulheres, idosas e analfabetas. A
gente tem questionários respondidos por senhoras de 80, 90 e 102 anos. É um
saber idoso que está se perdendo. A situação é preocupante porque o jovem pouco
sabe e nem tem interesse nesse conhecimento", alertou a pesquisadora
Márcia Vanusa da Silva, coordenadora do Núcleo de Bioprospecção e Conservação da
Caatinga e professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Segundo ela,
60% do mercado farmacêutico mundial produzem medicamentos de base biológica,
movimentando uma soma de aproximadamente US$ 60 bilhões. A comprovação do uso
terapêutico dessas plantas, até mesmo na fabricação de defensivos agrícolas,
poderá gerar toda uma cadeia de produção no semiárido brasileiro. "Essas
plantas do bioma Caatinga são as menos estudadas na sua biodiversidade. Ele é o
menos protegido legalmente. O que a gente quer mostrar é que existe uma riqueza
de compostos bioativos ainda não explorada", disse.
No
questionário, é apresentado o nome da planta nativa, os benefícios e o uso pela
comunidade. Depois, a planta é recolhida pelos pesquisadores e levada para
análise em laboratório. Os cientistas tiveram dificuldade para encontrar
algumas delas, que estão localizadas em florestas e ambientes locais. "Em
alguns casos só existe o saber, mas não há a planta para comprovar."
No
laboratório, é feita a identificação botânica da planta no herbário do
Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA) por especialistas em espécies de
Caatinga e catalogado o nome científico. "Depois que a planta é
identificada, a gente tem um ‘know-how' de pesquisadores e, dependendo do uso
da comunidade, é escolhido o especialista. Ele comprova se existe a atividade
biológica e em que dosagem, se há toxicidade ou se o uso é seguro",
explicou Márcia.
Produtos
O projeto
busca o desenvolvimento de novos fármacos; de cosméticos a partir espécies que
apresentam características antioxidantes para eliminação de radicais livres;
defensivos agrícolas naturais em substituição ao uso dos agrotóxicos; além da
segurança alimentar com o estudo de espécies frutíferas e do seu valor
nutricional. "Verificamos junto com o curso de gastronomia, por
exemplo, se a planta poderia ser utilizada em uma preparação alimentar até
mesmo para a própria comunidade, como no Programa Nacional de Alimentação
Escolar. No caso dos cosméticos, as plantas podem ser usadas em protetores
solares e cremes antissinais", observou a pesquisadora.
O catálogo
em construção vai reunir plantas usadas como anti-inflamatórios, cicatrizantes
e antibióticos. A ameixa do Brasil, cujo nome científico é Ximenia americana, é
muito usada pelas comunidades em processos inflamatórios, pós-partos e banhos
de assento. Para comprovar a eficácia, os pesquisadores usaram um
anti-inflamatório comercial e o extrato da planta para depois medir a atuação
dos dois produtos na inflamação.
Outras
plantas que tiveram comprovação científica foram o jatobá e o angico do caroço,
utilizados como expectorante em xaropes. "No primeiro caso, pegamos
diferentes bactérias de vias aéreas e fizemos o potencial antimicrobiano. No
caso do angico, foi uma das primeiras moléculas que a gente isolou e comprovou
o uso antibiótico em bactérias do Hospital de Clínicas da Universidade Federal
de Pernambuco. O que nos chamou mais atenção foi a resistência das bactérias a
antibióticos. Estamos estudando os mecanismos de ação e a segurança disso, e
ela poderia ser um novo antibiótico para Staphylococcus aureus – bactéria muito
comum em infecções no ambiente hospitalar e que já desenvolveu resistência a
antibióticos."
Os
pesquisadores estão desenvolvendo estudos para comprovar o uso de algumas
plantas no combate a doenças sexualmente transmissíveis, mais especificamente o
Trichomonas vaginalis – parasita de maior incidência no mundo. "Hoje
apenas um fármaco – o metronidazol – é utilizado no mercado, e muitos parasitas
já desenvolveram resistência a esse remédio. Quatros plantas da caatinga
conseguiram matar esses parasitas, o vicky (Polygala decumbes), a massaranduba
(Manilkara rufula), a braúna (Schinopsis brasiliensis) e o cedro (Cedrela
odorata)", ressaltou Marcia.
Ainda há
estudos sobre o uso de plantas contra vetores como o Aedes aegypti, transmissor
do vírus zika, chikungunya e dengue. Os cientistas usaram o óleo essencial das
plantas Commiphora leptophloeos (umburana de cambão), Eugenia brejoensis
(cutia) e Hymenaea courbaril (jatobá) para comprovar o efeito larvicida,
repelente e ovicida, o que pode ajudar no controle do vetor. Eles também
constataram que a umburana de cambão pode ser usada contra a bactéria que causa
a tuberculose.
Com
potencial cosmético, o umbu (Spondias tuberosa) pode ser utilizado em cremes
antissinais e antienvelhecimento, assim como para controle de diabetes. Segundo
a pesquisadora Márcia Vanusa, qualquer parte dessa planta tem alto potencial
antioxidante. "Ela poderia ser investigada para diferentes preparações
cosméticas, sendo ingrediente bioativo de antissinais ou antienvelhecimento.
Nos chamou tanta atenção essa ação antioxidante do umbu, que começamos a fazer
experimentos com outra patologia em que a ação antioxidante é importante: a
diabetes. Começamos a induzir em ratos diabéticos para ver se havia a redução
da glicemia. Esse trabalho ainda não foi publicado, mas foi positivo e reduziu
a glicose", comemorou.
Patente
O próximo
passo é conseguir a patente dos produtos desenvolvidos. No Brasil, a patente da
biodiversidade é proibida, mas é possível patentear o produto e a tecnologia,
como um novo cosmético, fármaco ou inseticida. Já estão em estudo as patentes
de uma pomada ginecológica, um inseticida contra o mosquito da dengue e um novo
antibiótico contra bactérias hospitalares. Para a pesquisadora Márcia Vanusa, é
preciso ter políticas públicas de desenvolvimento de viveiros dessas espécies,
porque esse bioma tem um potencial inesgotável.
"O
trabalho que estamos fazendo é só uma pequena mostra disso. Que sejam
desenvolvidos arranjos produtivos, para que a gente tenha possibilidade de
desenvolvimento na região com empresas interessadas em explorar essas plantas
nessas comunidades."
Ela também
destacou a necessidade de avançar com esse trabalho em outros estados do
semiárido até para comprovar se o uso das plantas é feito da mesma maneira
pelas comunidades ou se elas são utilizadas para outras finalidades, que ainda
não foram descritas.
O projeto
também foi apresentado para a uma empresa de cosméticos, já que existem muitas
plantas com potencial hidratante. "Seria extremamente vantajoso para a
indústria cosmética, que teria um selo de exclusividade de utilização da flora
brasileira. Mostramos alguns potenciais dessas plantas, com destaque para o
licuri ou ouricuri, que é um coquinho endêmico da Caatinga. Comprovamos que o
óleo extraído dessa planta é hidratante, anti-inflamatório e
antimicrobiano."
Popularização da ciência
Desde
janeiro, os pesquisadores estão retornando às cidades visitadas para fazer
oficinas nas escolas e apresentar o resultado das pesquisas. "Isso é muito
importante para trazer para população essa educação pela conservação, para que
eles não destruam essas plantas. O alvo principal é a educação dos mais jovens,
para que a criação de empregos seja gerada com o conhecimento deles mesmos.
Atualmente, não há transferência desse conhecimento para os mais jovens por
diversas razões, porque a farmácia está muito perto, pela falta de interesse,
ou por achar que o conhecimento popular não tem grande importância",
lamentou a pesquisadora do Insa.
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