Via Carta Capital
publicado
25/08/2017 11h28
A pecuária avança por áreas protegidas e
está por trás de 65% do desflorestamento na região, revela recente estudo do
Imazon
O rebanho
bovino na Amazônia Legal saltou de 37 milhões de cabeças, em 1995, para 85
milhões em 2016
Por Nádia Pontes, de Manaus
Na lógica
que move a destruição da Floresta Amazônica, ainda é raro encontrar histórias
de transformação como a de Roberto Brito de Mendonça, de 43 anos. Foram
necessários 100 anos para que se rompesse – por suas mãos – uma vocação que
parecia natural na família: o desmatamento ilegal. Aos 12 anos, iniciado pelo
pai e o avô, derrubou sua primeira árvore, às margens do rio Negro, no
Amazonas. Trinta anos depois, abandonou a motosserra – e a ilegalidade.
"Eu era revoltado com o governo que nos pedia para preservar. Na minha
ignorância, eu falava: ‘Não estou nem aí, quero aproveitar a floresta da forma
que eu conheço'", conta Roberto, que dependia da madeira para sustentar a família.
A comunidade
onde ele vive está dentro da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Rio Negro,
no Amazonas, criada em 2008 para preservar a mata e o modo de vida das
populações tradicionais. Com 103 mil hectares e 693 famílias espalhadas por 19
vilarejos, a unidade de conservação, no entanto, não está livre do risco.
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"Hoje
já temos a pressão de grandes fazendeiros migrando dos estados do Pará e
Rondônia para o Amazonas, com grandes empresários fazendo investimentos",
afirma Renê Luis de Oliveira, coordenador-geral de fiscalização ambiental do
Ibama.
Em toda a
Amazônia Legal, a sistemática do desmatamento segue um roteiro conhecido pelos
fiscais: o invasor derruba a floresta em terra pública, vende madeira para se
capitalizar, planta capim e coloca o gado. Mais tarde, as terras de interesse
da agricultura dão lugar ao cultivo de soja, arroz e milho.
O método "boivigia"
Em sobrevoos
de fiscalização, é possível avistar áreas desmatadas sem qualquer construção
–apenas os bois vigiam o terreno. "Os grileiros invadem esperando, um dia,
a regularização fundiária de uma terra que é pública", afirma Oliveira.
O rebanho
bovino na Amazônia Legal saltou de 37 milhões de cabeças em 1995, o que era
equivalente a 23% do total nacional, para 85 milhões em 2016 – cerca de 40%.
"A pecuária para a criação de gado é a atividade que mais contribui para o
desmatamento na Amazônia, ocupando 65% da área desmatada", afirma o estudo
recente do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia).
Marlene
Alves da Costa, uma das lideranças comunitárias na RDS Rio Negro, já precisou
barrar invasores que queriam trazer gado para as terras. "Gado aqui é
proibido. O que ainda acontece é o roubo de madeira. Cortam de dia, escondido,
e levam embora à noite. Mas nós denunciamos", conta.
Os moradores
tradicionais de Reserva Extrativista Jaci-Paraná, em Rondônia, não conseguiram
o mesmo. Segundo o Ibama, trata-se de uma unidade de conservação mais desmatada
do estado. "Fazendeiros tomaram conta. São mais de 50 mil cabeças de gado
na reserva", relata Oliveira.
As áreas
ocupadas por populações tradicionais, extrativistas, não barram os invasores.
"É comum a gente verificar aliciamento desses povos dentro das reservas
extrativistas e de uso sustentável. Eles acabam vendendo sua terra e, muitas
vezes, são até afugentados pelos grandes proprietários", relata Oliveira.
"É muito complexo". As florestas públicas são alvos fáceis para
grileiros e madeireiros (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alvo fácil para grileiros
As florestas
públicas sem destinação são o alvo mais fácil para os grileiros e seus bois.
"São 60 milhões de hectares de florestas não destinadas na Amazônia. São
terras públicas que estão à mercê da grilagem", afirma Cristiane Mazzetti,
especialista em Desmatamento Zero do Greenpeace. O tamanho da área em questão
equivale a quase o dobro do território da Alemanha.
"Os
povos da floresta são fundamentais para a conservação. Qualquer planejamento
tem que levar em consideração as populações tradicionais, os indígenas,
garantir o direito à terra e atividades econômicas que mantenham a floresta em
pé", diz Mazzetti a favor do aumento das unidades de conservação.
A pecuária
não entraria nesta lista. O controle dessa atividade, inclusive, virou
prioridade para coibir a destruição do ecossistema. Em mais de um ano de
investigação, o Ibama multou 14 frigoríficos que compraram produtos vindos de
áreas desmatadas ilegalmente ou embargadas.
Mazzetti
destaca ainda o peso da política: "É fundamental que o governo não aprove
medidas que sigam na direção contrária. E o que a gente vê é o contrário:
propostas discutidas no Congresso que dão a expectativa de redução de unidades
de conservação, ou desafetação, o que acaba contribuindo com a invasão dessas
áreas."
Após a
aprovação da chamada MP da Grilagem (MP 759/16), tramita no Congresso o projeto
que reduz a proteção na Floresta Nacional do Jamanxim, Pará. Na última
quarta-feira, o governo federal publicou um decreto que extingue a Reserva
Nacional de Cobre e Associados (Renca), na Amazônia. A reserva, criada em 1984,
possui cerca de 47 mil quilômetros quadrados.
Desmatamento e vocação
Embora o
balanço divulgado pelo Imazon tenha apontado queda de 21% do desmatamento entre
agosto de 2016 e julho de 2017, a situação não é de alívio. "A gente ainda
está em 2017 muito aquém de onde deveríamos estar para dizer: ‘Estamos no rumo
da eliminação do desmatamento e de cumprir as metas estabelecidas no Acordo de
Paris'", comenta Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do
Clima.
Para ele,
Brasília erra ao mandar o seguinte recado: "Com a anistia do Código
Florestal, da grilagem, de invasão de áreas protegidas, retirada de direitos de
povos indígenas, flexibilização de leis ambientais, eles mostram que o crime
florestal compensa."
Rittl dirige
a crítica ao governo Temer e às concessões à bancada ruralista. "O chefe
da bancada, inclusive, se esquece que a agricultura, que ele em tese defende,
depende de água, que depende de floresta. Então preservar floresta nada mais é
que assegurar um serviço ambiental para a produção agrícola nacional",
comenta, sobre a entrevista concedida pelo deputado e chefe da bancada
ruralista Nilson Leitão à DW Brasil. "Ele demonstrou ter uma visão muito
míope sobre o papel das florestas."
Das margens
do rio Negro, Roberto acompanha preocupado esses embates. O ex-desmatador,
agora empreendedor, espera que nada atrapalhe sua nova vocação. Para ele, é a
falta de conhecimento que atiça o instinto de destruição. "Passamos 100
anos para descobrir que a floresta tem valor", menciona, lembrando a
história de sua família. "O meu sonho é que as pessoas locais tenham a
mesma oportunidade. Porque é através das pessoas locais que a preservação vai
começar."
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