"Nunca use violência de nenhum tipo. Nunca ameace
com violência de nenhum modo. Nunca sequer tenha pensamentos violentos. Nunca
discuta, porque isto ataca a opinião do outro. Nunca critique, porque isto
ataca o ego do outro. E o seu sucesso está garantido." Mahatma
Gandhi
Mudanças, Avanços e Desafios da Lei Maria da Penha
A LMP, além de ter
definido a mulher como sujeito de proteção no ambiente doméstico e familiar,
assegura à mulher proteção contra outras formas de violência baseada no gênero.
O termo gênero foi introduzido no universo acadêmico brasileiro, no final da
década de 1990, tendo sido teorizado a partir de uma ideia sistemática de
características psicológicas, físicas, discursivas e culturais que marcam
diferenças entre homens e mulheres (Narvaz; Koller, 2007).
A sociedade coloca
expectativas diferenciadas para homens e mulheres, de como devem agir, pensar,
se comportar, parecer, sentir diante dos demais atores sociais, desde os
primeiros dias de vida. Assim, o conceito de gênero demonstra que
"ser homem" e "ser mulher" não são determinados
biologicamente, mas são papéis sociais, construídos e reforçados ao
longo da vida e que resultam em acessos diferentes a recursos financeiros,
trabalho, espaços de poder. A violência (em suas diferentes
dimensões) surge, nesse contexto, como uma manifestação das desigualdades
entre homens e mulheres.
Atualmente, pela LMP, devem
ser criados Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher -
JEVDF para processamento e julgamento, a partir da nova sistemática, de todos
esses tipos de crime, com exceção dos crimes dolosos contra a vida (competência
constitucional). Tais Juizados possuem competência mista ou híbrida, ou seja,
podem julgar questões criminais, cíveis e de família, desde que estejam
relacionadas com a situação de violência doméstica e familiar contra a mulher.
Esse esclarecimento auxilia
na compreensão de que não apenas nas relações interpessoais heterossexuais
ocorre a violência, mas que a violência de gênero perpassa a pluralidade das
relações familiares, incluindo as relações homoafetivas. O Tribunal
de Justiça do Estado de São Paulo e o Tribunal de Justiça do Estado do Mato
Grosso do Sul já decidiram, inclusive, pela aplicação da LMP a mulheres
transexuais que sofreram violência nas relações doméstico-familiares ou
afetivas.
Antes da Lei Maria da Penha,
os crimes submetidos à Lei 9.099/95, ao serem registrados na delegacia, eram
submetidos a um modelo simplificado de inquérito, chamado Termo Circunstanciado
– TC. O TC costuma ser muito simples e é apenas uma notícia ao Judiciário
daquele crime. Era muito comum ser arquivado nos Juizados Especiais Criminais
em razão de desistência da ofendida.
Com a obrigatoriedade da instauração
do inquérito, a atuação policial, nos casos de violência doméstica e familiar
contra a mulher, se tornou mais relevante que antes. Além do inquérito, é dever
da Polícia oferecer um atendimento humanizado à mulher em situação de
violência, encaminhar para o IML, para a Casa-abrigo, Centro de Referência
Especializado de Assistência Social-CREAS ou para um atendimento de saúde,
registrar a ocorrência, oferecer a ela as possibilidades de medida protetiva,
requerer ao Judiciário o deferimento de medidas protetivas e de prisão
preventiva, efetuar as prisões em flagrante e oferecer subsídios ao Ministério
Público, quando necessário. Ou seja, atuar como integrante de uma rede que
busca o encaminhamento adequado do caso concreto de violência, e assim, contribuir
para a redução dos riscos à segurança das mulheres em situação de violência e
da impunidade desses casos.
Sob a Lei nº 9.099/95, a
violência contra as mulheres era tida como crime banal de menor importância.
Comumente, os casos de violência levados aos Juizados Especiais Criminais
resultavam em pagamento de cestas básicas, prestação de serviço comunitário ou
outras formas alternativas que banalizavam o conflito e menosprezavam os
reflexos na saúde mental e física das mulheres em situação de violência.
Dentro das
relações afetivas, conjugais e familiares, notam-se algumas dimensões que
sustentam situações violentas:
- Intensidade
e ambiguidade afetiva;
- Ciclo de
violência com intensidades diversas;
- Dificuldade
de reflexão e de identificação da violência;
- Dificuldade
de rompimento do ciclo;
- Silêncio e
segredo;
- Medo;
- Adesão
rígida a papéis de gênero;
- Culpa/disciplina
como elementos justificadores da violência;
- Negação da
experiência violenta;
- Necessidade
de preservação da família.
Veja alguns desafios
direcionados aos/às profissionais que atuam nessas situações:
- Sensibilização
e formação/capacitação de profissionais e estudantes (de Direito, Psicologia,
Serviço Social) para as questões de gênero, bem como como para demandas
específicas de violência doméstica e familiar contra a mulher;
- Criação de
serviços de atendimento especializados para acolhimento e respeito ao tempo e à
demanda das pessoas atendidas;
- Articulação
entre os serviços para um atendimento integral e eficaz à mulher em situação de
violência;
- Respeito à
diversidade;
- Articulação
entre conhecimento prático e teórico a respeito da violência de gênero;
- Autocrítica
acerca de posturas e linguagens sexistas, classistas, racistas e homofóbicas;
- Esforço
para romper com modelos, estereótipos e crenças patriarcais que legitimam a
violência.
Nota-se, na
prática, para além dos aspectos técnicos e dentro do cotidiano das pessoas
envolvidas em situação de violência doméstica contra a mulher, uma dificuldade
em rever as relações de gênero permeadas pelas hierarquias e assimetrias de
poder, geralmente imbricadas nos papéis tradicionalmente impostos ao homem e à
mulher.
Ao mesmo
tempo, o sistema de justiça e outros serviços de atendimento às mulheres em
situação de violência também são permeados por essas representações de gênero,
ou seja, em bases muito semelhantes àquelas sobre as quais a violência
interpessoal, familiar ou doméstica e nas relações afetivas presente ou
passadas é construída. Ocorre, portanto, que o sistema reproduza violências e
desigualdades.
FONTE: Curso dialogando sobre a Lei
Maria da Penha. Plataforma Saberes. Senado Federal.
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