"No dia que for possível à mulher amar em sua
força e não em sua fraqueza, não para fugir de si mesma, mas para se encontrar,
não para se renunciar, mas para se afirmar, nesse dia o amor tornar-se-á para
ela, como para o homem, fonte de vida e não perigo mortal". Simone de Beauvoir [BEAUVOIR, S. O Segundo Sexo Vol 2: A Experiência Vivida, Difusão
Europeia do Livro, 1967]
A mulher no Brasil Colônia
É importante destacar o racismo
que imperava na sociedade colonial e imprimia contornos mais severos à
violência contra as mulheres negras, conforme pontua Del Priore (2013, p.24):
"Temperadas por
violência real ou simbólica as relações eram vincadas por maus-tratos de todo
tipo, como se veem nos processos de divórcio. Acrescente-se à rudeza atribuída
aos homens o tradicional racismo, que campeou por toda parte: estudos comprovam
que os gestos mais diretos e a linguagem mais chula eram reservados a negras
escravas e forras ou mulatas; às brancas se direcionavam galanteios e palavras
amorosas. Os convites diretos para fornicação eram feitos predominantemente às
negras e pardas, fossem escravas ou forras. Afinal, a misoginia – ódio das
mulheres – racista da sociedade colonial as classificava como fáceis, alvos
naturais de investidas sexuais, com quem se podiam ir direto ao assunto sem
causar melindres".
A violência contra as mulheres,
em razão do gênero, geralmente está correlacionada a outros marcadores de
desigualdade como raça ou etnia, geração (idade), classe social, orientação
sexual, entre outros. O Mapa da Violência 2015 mostra maior impacto da
violência sobre as mulheres negras. Considerando os dados de 2003 e
2013, houve uma queda de 9,8% no total de homicídios de mulheres brancas e um
aumento de 54,2% no número de homicídios de mulheres negras.
Em relação ao local da
agressão, cerca de 27,1% dos homicídios de mulheres ocorre em seus domicílios,
em contraposição à 10,1% dos homicídios masculinos; os homens são assassinados,
na grande maioria, por arma de fogo (73,2%) e as mulheres, por arma de fogo
(48,3%), estrangulamento/sufocação, cortante/penetrante e objeto contundente,
“indicando maior presença de crimes de ódio ou por motivos fúteis/banais”
(Waiselfisz, 2015, p.30-39).
Segundo Del Priore (2013, p.
6), “não importa a forma como as culturas se organizaram”, a
diferença entre masculino e feminino sempre foi hierarquizada. No
Brasil Colônia, o patriarcalismo brasileiro conferia aos homens uma posição
hierárquica superior às mulheres, de domínio e poder, sob o qual os “castigos”
e até o assassinato de mulheres, pelos seus maridos, eram autorizados pela
legislação.
Pobre ou rica, as mulheres possuíam um papel: fazer o trabalho de base
para o edifício familiar – educar os filhos segundo os preceitos cristãos,
ensinar-lhes as primeiras letras e atividades, cuidar do sustento e da saúde
física e espiritual deles, obedecer e ajudar o marido. Ser, enfim, a “santa
mãezinha”. Se não o fizesse, seria confundida com um “diabo doméstico”. Afinal,
sermões difundiam a ideia de que a mulher podia ser perigosa, mentirosa e falsa
como uma serpente. (...) O modelo ideal era Nossa Senhora, modelo de pudor,
severidade e castidade.
A Soma dessa tradição portuguesa com a colonização agrária e escravista
resultou no chamado patriarcalismo brasileiro. Era ele que garantia a união
entre parentes, a obediência dos escravos e a influência política de um grupo
familiar sobre os demais. Tratava-se de uma grande família reunida em torno de
um chefe, pai e senhor, forte e destemido, que impunha sua lei e ordem nos
domínios que lhe pertenciam. Sob essa lei, a mulher tinha de se curvar. (Del Priore, 2013, p.9-10).
(...)
Todas as justificativas,
tanto para o tratamento desigual no campo do direito penal quanto no direito
civil, vão sendo desconstruídas ao longo dos anos, a partir das “resistências”
das mulheres às diversas práticas de opressão e abusos e, mais recentemente, da
segunda metade do século XX para cá, aos movimentos de mulheres e feministas
que incorporam em suas pautas a violência doméstica e o direito de as mulheres
viverem sem violência onde quer que estejam, na família, nas ruas, no trabalho,
nas escolas, etc.
Assim, até então, os
maus-tratos e "castigos" infligidos às mulheres não eram entendidos
como forma de violência. Esses atos passam a ser nomeados de violência no final
da década de 1970, a partir da indignação do movimento de mulheres e feministas
contra a absolvição dos maridos ou companheiros que assassinavam as mulheres,
sob a justificativa da legítima defesa da honra.
Pela Lei do Divórcio, Lei no.
6.515, de 1977, galgou-se mais um degrau na busca da igualdade entre homens e
mulheres. Essa Lei previu o dever de manutenção dos filhos por ambos os
cônjuges, na proporção de seus recursos, e abriu nova possibilidade de
separação, o que refletiu positivamente para as mulheres em situação de
violência.
A Constituição Federal de
1988, após longo período ditatorial, é o grande marco para os direitos das
mulheres, contribuindo, para tanto, os movimentos de mulheres, conhecidos no
período constituinte, como o Lobby do Batom. Dentre diversas demandas
dos movimentos de mulheres incorporadas ao texto constitucional, cabe destacar
os dispositivos que tratam do princípio da igualdade entre homens e mulheres em
todos os campos da vida social (art. 5º, I), inclusive na sociedade conjugal
(art. 226, § 5º) e, também, a inclusão do art. 226, § 8º, por meio do qual “o
Estado assegurará a assistência
à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para
coibir a violência no âmbito de suas relações”.
FONTE: Curso
Dialogando sobre a Lei Maria da Penha. Plataforma Saberes. Senado Federal.
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