José Nicolau da
Silva Neto
Graduado
em História com pós-graduação em Docência do Ensino Superior.
Professor,
nascido em Assaré-CE e residente no município de Altaneira-CE.
ENTREVISTA nº 02
Lucélia Muniz - Dentro do contexto atual, na sua
opinião, quais as principais conquistas alcançadas pelas mulheres?
Nicolau Neto - Falar das conquistas das mulheres nos
leva a nos referir a um universo de outrora que foi muito perverso para com
elas. A trajetória de submissão, exploração faz parte da vida de muitas
mulheres. Na antiguidade, elas não podiam exercer sua cidadania, aliás, se quer
eram consideradas cidadãs. Durante a idade média, passou-se a percebê-las como
objetos e, ou moedas de trocas, especificadas muito bem nos casamentos
arranjados com colaboração da instituição religiosa de cunho católico que,
diante do poder emanado, mandavam e desmandavam na sociedade do período. Veio a
modernidade e, poucas mudanças foram efetivadas.
A
luta do feminismo por igualdade em todos os espaços ganha corpo somente na
contemporaneidade. Em 1848, quando teve início o movimento feminista, na
convenção dos direitos da mulher em Nova York (EUA), as reivindicações
emergiram em virtude das grandes revoluções. É importante lembrar que as conquistas
oriundas da Revolução Francesa, que tinha como lema Liberdade, Igualdade e
Fraternidade, foram reivindicações das feministas porque elas acreditavam que
os direitos sociais e políticos adquiridos a partir das revoluções deveriam se
estender a elas enquanto cidadãs. Algumas conquistas podem ser registradas como
consequência da participação da mulher neste processo, um exemplo é o divórcio.
Notadamente
que, muitas conquistas foram sendo efetivadas de forma lenta, gradativa e com
muita luta. Porém, hoje se pode perceber resquícios dos pensamentos de outrora
como, por exemplo, o velho e péssimo clichê: “lugar de mulher é em casa,
cuidando dos filhos”. Ao passo que muitas mudanças positivas aconteceram e
continuam, a passos lentos, acontecendo. O voto universal também se faz
necessário citar.
Lucélia Muniz - Em pleno século
XXI, quais situações ainda são enfrentadas pelas mulheres? Seja na questão de
gênero, na falta de políticas públicas e/ou no contexto socioeconômico.
Nicolau Neto - Às vezes, ou quase sempre fico a me
perguntar se se tem realmente o que se comemorar no dia Internacional da
Mulher. Por quê? Ora, nos últimos três anos houve um retrocesso tão grande que
só se compara com aqueles em que as mulheres eram taxadas como o “sexo frágil”.
Em 2013, por exemplo, o conservadorismo em diversos setores da sociedade foi
marcante, tanto que foi necessário a mobilização de movimentos que lutam em
defesa da visibilidade feminina para que direitos e conquistas já editados na
Constituição Federal de 1988 não fossem jogados pelo ralo. No ano de 2014
seguiu o mesmo passo e 2015 foi ainda mais desastroso para todos,
principalmente para a classe feminina, comprometendo o ano que acaba de
começar. Falo da eleição de deputados e senadores mais conservadores de todos
os tempos, mais até do que em 1964, pois nesse período o Brasil vivia sob o
julgo da ditadura, mas hoje o regime é democrático e sendo uma democracia é
inconcebível certas atitudes parlamentares.
Foi
desse congresso por exemplo que saiu o argumento de que as mulheres teriam que
ter provas mais consistente para o estupro, pois o simples relato ou marcas no
seu corpo não mais seriam suficientes. Acredito que para o congresso (falo em
nome de pessoas como Jair Bolsonaro, Marco Feliciano e Eduardo Cunha) só umas
selfies (com a legenda – Olha ai eu sendo estuprada! Prenda-o!) das mulheres
registrando o ato serviria como prova.
Se
não bastasse isso, elas ainda têm que enfrentar a violência física e
psicológica. De acordo com estatísticas, o Brasil ocupa por três anos
consecutivos o 7º lugar entre aqueles com maior número de homicídios femininos.
Esses dados aumentam quando se refere a mulher negra. As mulheres negras são as
maiores vítimas desse caso. As estatísticas do Mapa da Violência afirmaram que
dos índices de assassinatos 60% são negras. Para além desses pontos
mencionados, o universo feminino ainda tem que enfrentar o machismo que insiste
em permanecer na mente fraca e doente de muitos homens, o racismo – a maior
praga já existente e causador de muitas atrocidades (a maior delas o sistema
escravocrata) e hoje define o lugar na sociedade.
Não
se pode esquecer ainda que a estrutura partidária se configura com um dos
maiores empecilhos para a representação da mulher nesse ambiente. Para se ter
uma dimensão do que ora se menciona, o Brasil é o país da América Latina que
possui a menor quantidade de mulheres na política. Dados divulgados pela
Inter-Parlamentary Union (IPU), órgão que reúne dados sobre o Legislativo em
todo o mundo, mostram que apenas 13% das mulheres brasileiras estão no
parlamento. Esses dados caem mais da metade quanto a mulher negra.
Lucélia Muniz - E como a
Educação pode ser usada como uma “arma” no combate a estas situações?
Nicolau Neto - Em primeiro lugar trabalhando bem o 08
de março de uma forma que se possa desmistificá-lo. Fazer isso significa
debater desde cedo que ele não é uma data para se comemorar o dia Internacional
da Mulher, simplesmente. Mas um dia para
se refletir sobre as condicionantes históricas que ensejaram a organização da
classe feminina em prol da luta visando à conquista de seus direitos, da sua
inserção no mundo sem serem submissas ao mundo machista. Promover rodas de
conversas acerca de ações que venham a se configurar como mais uma oportunidade
de rever as forças e a organização dessas guerreiras que passaram anos e anos
sob o julgo do exacerbado machismo.
Disciplinas
como História, Filosofia, Sociologia e Formação Cidadã são as ferramentas mais
fortes na promoção desse debate no seio escolar, afinal de contas, essa data
que as pessoas notadamente insistem apenas em comemorar sem refletir, surgiu em
1910, em Copenhague, durante a II Conferência Internacional das Mulheres
Socialistas. Trata-se, portanto, de demonstrar que é um dia dedicado à luta das
mulheres trabalhadoras, notadamente. É momento de reforçar o espírito de
solidariedade internacional, dia de rever a força e organização das mulheres
identificadas com a luta contra todas as formas de dominação, exploração e
opressão.
Lucélia Muniz - Neste Dia
Internacional da Mulher, no mês de março, qual Mulher você gostaria de
homenagear em nome de todas? Por que?
Nicolau Neto - Quero homenagear duas mulheres. A
primeira delas é minha mãe – Neusa Lourenço da Silva. Mulher negra que desde
cedo soube fazer das dificuldades degraus para alcançar as vitórias. Descrever
uma mulher é difícil e quando essa mulher é sua mãe, torna-se mais difícil
ainda. Não porque não tenho o que dizer, ao contrário. São tantos adjetivos que
nem sei por onde começar. Mas definirei em três palavras, a saber, FORTE,
GUERREIRA e IDEALISTA. Foi ela que me ensinou que se combate o racismo
denunciando e não fingindo não sofrer ou calando achando que se não falar ele
acaba.
A
segunda é Valéria Rodrigues. No último dia 20 de novembro dia dedicado a mais
um momento de análise e reflexão crítica acerca das ações sobre a valorização
da cultura africana e afro-brasileira nos espaços de poder, completou-se um ano
em que Valéria Rodrigues nos oportunizou conhecê-la. Nesse curto período de
tempo convivi (e estou convivendo) com uma pessoa simplesmente maravilhosa que
tentarei - mesmo sabendo que o espaço não é suficiente para caracterizá-la -
externar alguns adjetivos que são inerentes a sua pessoa: Amiga, Companheira,
Dedicada, Compreensiva, SOLIDÁRIA, Inteligente (e sabe usá-la em todos os
momentos), Sábia, Meiga, Linda por dentro e por fora...... Com você aprendi e muito.
Aprendi a desenvolver outras habilidades que estavam adormecidas. Aprendi a
adentrar em outros espaços que, mesmo respeitando a coletividade, hesitava em
entrar. Aprendi que desistir mesmo quanto tudo conspira contra, é inaceitável,
pois, como você mesmo diz - "há
outras pessoas que, mesmo sendo poucas, se inspiram em nós e é a elas(es) e por
elas(es) que devemos continuar a ter esperança de um mundo melhor".
Aprendi que conviver não é tarefa fácil, mas necessário para promovermos
mudanças significativas na sociedade, tão carente de mentes solidárias e com
espírito de ALTERIDADE (como o seu).
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