Seu objeto de estudo é a Pedagogia, analisada
e interpretada em diferentes perspectivas: quer em sua possibilidade de atuar
diferentemente, quer como instrumento de geração de educabilidade, como ação social,
como fundamento para a prática docente, como mediadora entre a sociedade e a
escola.
Esse autor interessou-se muito cedo pela
questão da pedagogia diferenciada como um dispositivo para a democratização da
educação; percebeu logo que as pessoas aprendem por meio de ritmos e formas
diferenciadas e assim, com a universalização da educação, seria preciso que a
Pedagogia desenvolvesse procedimentos para atender aos itinerários específicos
de cada aluno na construção da aprendizagem, com a finalidade de garantir a
cidadania e os princípios republicanos que caracterizam a escola pública, laica
e para todos.
O autor parte de dois pressupostos:
a) Todos precisam e devem aprender, devem ser
educados, devem partilhar a cultura do mundo;
b) Não se aprende por decisão dos outros; é
preciso que as pessoas queiram aprender, possam aprender e o façam com prazer.
Dando conta dessas duas premissas, entra em
ação a ciência de educar, a arte de ensinar, ou seja, a Pedagogia. Esta é
encarada como um fazer especial, arte e ciência, que permite mobilizar todos
para o desejo e as possibilidades de aprendizagem, considerando as condições
reais de cada aluno.
Diz: querer ensinar é crer na
educabilidade do outro; no entanto, querer aprender é, também, crer nas
possibilidades que o outro pode oferecer!
A escola, em seu ponto de vista, deveria ser
a primeira instituição promotora da ascensão pessoal e profissional dos
educandos, por meio de um esforço particular no desenvolvimento do
ambiente/dimensão cultural e de práticas artísticas e culturais, para além do mero
aprender a contar, ler etc.
Para Philippe, o papel do ensino deve ser,
substancialmente, pôr em prática uma aprendizagem essencial, a aprendizagem da
gestão autônoma dos saberes. O autor defende uma articulação das disciplinas
(currículo) com as finalidades da escola (cultura escolar).
Philippe vai adentrar fortemente na
contradição entre usufruir e liberar, educar e emancipar.
Essa
tensão entre teoria e prática, que constitui a grandeza e a fragilidade da
Pedagogia, é, ao mesmo tempo, seu mérito e sua possibilidade de construir
grandes transformações no aluno e mesmo na sociedade.
O autor considera que a superação dessa
contradição e a matriz dessa ressignificação podem ser encontradas no ético,
isto é, no momento do encontro entre pedagogo e o “outro.”
O professor descobre que o aluno diante dele
lhe escapa, não aprende, não compreende, não possui o desejo de aprender. O que
fazer? O Professor não pode abrir mão de seu projeto de ensinar, mas deve
recuar e tentar encontrar esse outro, buscar as possibilidades de entrar em
diálogo, em interação com esse aluno. Tal momento seria aquele em que o
professor percebe um aluno concreto, um aluno que lhe impõe um recuo, o que, no
entanto, não significa renúncia nem impossibilidade pedagógica.
A
pedagogia a serviço da escola democrática é aquela que transmite conhecimentos
com a garantia de que todos os alunos deles se apropriem e que, no ato da
apropriação, haja uma emancipação: os conhecimentos devem ser vistos como
libertadores e desenvolver a autonomia dos alunos. A pedagogia diferenciada
permite a adaptação às necessidades individuais para tornar o ensino mais
eficaz, mas também permite que cada indivíduo a desenvolva como reflexão
metacognitiva, tornando-se mais autônomo.
Na instrução não há reflexão, não há
compromisso do pedagogo com as aprendizagens previstas: já o educar significa a
reflexão contínua e constante sobre o ato de ensinar.
Assim Philippe assume que a característica do
ato pedagógico é a contradição: entre dizer e fazer; entre propor e conseguir;
entre a vontade pedagógica e a recusa de aprender; entre a manipulação e a
emancipação; entre o discurso e a prática; entre a diretividade e a autonomia,
ou mesmo entre a prescrição e a autoria; e, como realça muito, entre a instrumentalização
da educação e sua prática como interpelação.
Não há fórmulas a aplicar, há apenas sentido
coletivo a construir. Está o professor preparado para enfrentar as resistências
inexoráveis que o outro (o aluno) opõe? Seus recursos didáticos serão
suficientes ante a diversidade que hoje uma sala escolar apresenta? Como lidar
com alunos sem desejo de aprender? Como trabalhar com crianças e jovens que não
construíram nos lares os sentidos da importância da escola?
O vaivém
entre prática e teoria, a busca incessante de meios para fundamentar o processo
de ensino, o empenho por decisões cada vez mais adequadas às situações
concretas parecem ser o caminho para lidar com a insustentável leveza da
Pedagogia.
Tirar do docente a possibilidade de agir no
momento pedagógico com ousadia e competência é tirar-lhe as possibilidades
pedagógicas.
Não basta ao professor apenas aproveitar os
interesses e conhecimentos trazidos pelo aluno: é preciso criar nele novos
interesses e novos conhecimentos. Se o desejo não está lá, é preciso criá-lo,
produzi-lo, reacendê-lo.
Diz Meirieu: não basta dar água a quem tem
sede! É preciso ensinar a ter sede e buscar água. Essa é tarefa fundamental da
ação pedagógica. Trazer o outro para o processo educativo; saber vencer a
natural resistência do outro.
Não se pode abandonar a perspectiva da
universalização: a cultura precisa ser vivida e apreendida pelos alunos. A
Pedagogia deve buscar meios e formas de atuar nessa direção. É direito dos
alunos ter acesso aos significados culturais construídos.
Philippe Meirieu
É considerando um dos maiores pedagogos
franceses e exerce grande influência em vários países da Europa.
REFERÊNCIA
FRANCO,
Maria Amélia do Rosário Santoro. Pedagogia e prática docente. 1. ed. São
Paulo: Cortez, 2012.
*resumo do texto
Muito boa essa matéria, Lucélia. Eu, que sou pedagogo, me interessei muito por tais ideias. Só se aprende quando se tem o desejo. Excelente ponto de vista.
ResponderExcluir