14/08/2014

O SUJEITO, OS CONTEXTOS E A ABORDAGEM PSICOSSOCIAL NO USO DE DROGAS

O ser humano, assim, é um ser social e histórico que passa por diversas mudanças e processos no decorrer do tempo, devido à cultura e às condições sociais produzidas pela humanidade. A internalização desses processos sociais acontece mediada por sistemas simbólicos. O ser humano e seu projeto de vida possuem uma origem e uma finalidade, e a sociedade apresenta os limites e possibilidades de elaboração e construção, baseando-se nos modos culturalmente construídos para ordenar a realidade.

O projeto de vida deve considerar as expectativas do sujeito em relação ao seu futuro e as suas possibilidades reais, enfatizando as escolhas pessoais na definição das estratégias para atingir esse futuro e assumindo a responsabilidade pelas decisões e comportamentos adotados.

O cotidiano é a interface entre o passado, o presente e o futuro nas duas esferas da vida cotidiana: o público e a intimidade. O passado se refere à história e à memória; o presente, à ordem da experiência como superação do passado pela mediação do presente, sendo o futuro um aspecto central no projeto de vida.

A abordagem psicossocial compreende que a nossa história de vida é marcada pelas relações em rede, cujas estruturas social e familiar, bem como as experiências culturais, se manifestam no dia a dia, constituindo o sujeito em sua totalidade, que afeta e é afetado no mundo, enfatizando a interação e a interdependência dos fenômenos biopsicossociais e buscando pesquisar a natureza dos processos dinâmicos do homem em sua vivência cotidiana.

A família é unidade básica da sociedade formada por sujeitos com ancestrais em comum ou ligados por laços afetivos. É a primeira referência da pessoa. Mediadora entre o sujeito e a sociedade, é onde aprendemos a perceber o mundo e a nos situarmos nele. É um dos grupos responsáveis por nossa formação pessoal.

A família na contemporaneidade
Tipos de Família
Características
Família nuclear





Família monoparental
Pai e mãe estão presentes, morando na mesma casa, e todas as crianças são filhos deste casal.

Apenas a mãe (ou o pai) está presente, vivendo com seus filhos e, eventualmente, com outros menores de idade sob sua responsabilidade, sem nenhuma pessoa maior de 18 anos, que não seja filho, morando na casa.
Família recasada
Pai e/ou mãe vivendo em nova união, legal ou consensualmente, e podem ter seus filhos vivendo ou não juntos na mesma casa, sejam deles próprios, sejam de casamentos anteriores.
Família não convencional
Grupo mais amplo que consiste na família nuclear (pai, mãe, filhos) mais os parentes diretos de ambos os lados, existindo uma extensão das relações entre pais e filhos para pais, avós e netos.
Família homoafetiva
Casais do mesmo sexo adotam filhos ou um deles faz inseminação artificial ou via barriga de aluguel.
Família de pais separados
Família dissolvida, porém os ex-cônjuges ficam com a guarda compartilhada dos filhos.
Família de filhos adotivos
Devido a algum problema de infertilidade, o casal adota filhos ou, além de terem filhos biológicos, optam pela adoção também.
Família uniparental
É assim definida quando o ônus da criação do filho é de apenas do marido ou da mulher, seja por viuvez, seja por maus tratos, etc.
Família sem filhos







Resulta da combinação de mudanças na maternidade (muitos casais esperam mais tempo para ter filhos ou excluem a gestação de seus planos) ou, na evolução da educação e da renda, permitem que os filhos saiam de casa para estudar e trabalhar.

Sabemos que a família desempenha papel fundamental não só na relação com seus membros, mas também na relação com o Estado, na perspectiva de instituição social decisiva ao desenvolvimento do processo de integração/inclusão social de seus membros.

Assim, a família, através da construção da autonomia e independência de seus membros, deve favorecer a formação de um sujeito capaz de organizar sua própria vida e responsabilizar-se por suas relações sociais, fortalecendo a manutenção de laços afetivos já existentes, bem como formando novos laços.

A inclusão da família é muito importante na construção de qualquer processo de compreensão e intervenção com o usuário, devendo ser incluída desde o começo em todas as ações em saúde, o que torna fundamental conhecê-la, em suas potencialidades e fraquezas, suas redes e suas determinações para as possibilidades (ou não) de mudanças. Assim, a família deveria ser protagonista de todo o processo de acompanhamento do sujeito.

O impacto que a família sofre com o uso problemático de álcool e outras drogas por um de seus membros é correspondente às reações que vão ocorrendo com o sujeito que as utiliza. Podemos resumir esse impacto através de quatro estágios pelos quais a família progressivamente passa sob a influência das drogas e do álcool.

Na primeira etapa, é preponderantemente o mecanismo de negação. Ocorre tensão e desentendimento, e as pessoas deixam de falar sobre o que realmente pensam e sentem;

Em um segundo momento, a família demonstra muita preocupação com essa questão, tentando controlar o uso da substância, bem como as suas consequências físicas, emocionais, no campo do trabalho e no convívio social. Mentiras e cumplicidades relativas ao uso problemático de álcool e outras drogas instauram um clima de segredo familiar. A regra é não falar do assunto, mantendo a ilusão de que as drogas e o álcool não estão causando problemas na família;

Na terceira fase, a desorganização da família começa a ocorrer. Seus membros assumem papéis rígidos e previsíveis. As famílias assumem responsabilidades de atos que não são seus. Assim, o usuário problemático perde a oportunidade, muitas vezes, de perceber as consequências do abuso de álcool e de outras drogas. É comum ocorrer uma inversão de papéis e funções; por exemplo, a esposa que passa a assumir todas as responsabilidades da casa em decorrência do alcoolismo do marido, ou a filha mais velha passa a cuidar dos irmãos em consequência do uso de álcool e outras drogas por parte da mãe.

O quarto estágio é caracterizado pela exaustão emocional, podendo surgir graves distúrbios de comportamento e de saúde em vários de seus membros. A situação fica insustentável, levando ao afastamento dos membros e gerando rupturas familiares.
Dados esses processos, é fundamental que as famílias sejam incluídas em programas de prevenção e de tratamento e incentivadas em seu protagonismo.

Embora tais estágios definam um padrão da evolução do impacto das substâncias, não se pode afirmar que em todas as famílias o processo será o mesmo, mas indubitavelmente existe uma tendência de os familiares se sentirem culpados e envergonhados por terem um de seus membros nessa situação. Muitas vezes, devido a sentimentos, a família demora muito tempo para admitir o problema e procurar ajuda externa e profissional, o que corrobora para agravar o desfecho do caso.

O exercício da cidadania para o sujeito em tratamento significa o estabelecimento ou resgate de uma rede social inexistente ou comprometida pelo período do uso problemático da droga. Nesse cenário, focar somente na abstinência da droga para o sujeito deixa de ser o objetivo maior do tratamento, pois, para o dependente, a sua maior dificuldade é justamente não conseguir interromper o uso, geralmente relacionado à sua situação de vulnerabilidade, decorrente da fragilidade de seus vínculos sociais. Assim, a reinserção social torna-se, neste milênio, o grande desafio para o profissional que se dedica à área do uso problemático de álcool e outras drogas.

O processo de reinserção começa com a avaliação social, momento em que se mapeia a vida do sujeito em aspectos significativos que darão suporte à retomada de seu projeto originário ou à construção de um novo projeto de vida. Por isso, faz-se necessário assumir uma postura de acolhimento do sujeito, no qual a atitude solidária e a crença na capacidade de ele construir e/ou restabelecer sua rede social irão determinar o estabelecimento de um vínculo positivo entre ambos. É uma parceria na qual a porta para a ajuda estará sempre aberta, desde que o trânsito seja de mão dupla.

FONTE:
Ileno Izídio da Costa
Professor Adjunto do Departamento de Psicologia Clínica, Ex-Vice-Diretor do Instituto de Psicologia da UnB e do Centro de Atendimento e Estudos Psicológicos (Clínica-escola). Atual Coordenador de Projetos Especiais do Instituto de Psicologia da UnB, do Grupo Personna (Estudos e Pesquisas sobre violência e criminalidade), do Grupo de Intervenção Precoce nas Psicoses (GIPSI) e do Curso de Especialização em Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas (Lato Sensu), em parceria com o Ministério da Saúde. Presidente da Associação de Saúde Mental do Cerrado (ASCER).

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