Lucélia Muniz
Ubuntu Notícias, 14 de maio de 2021
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Por Nicolau Neto –
editor do Blog Negro Nicolau (BNN)
O dia 13 de maio é uma data histórica no Brasil. Há 133 anos era aprovada no senado do Império do Brasil e sancionada pela princesa Isabel, regente do Brasil, a Lei Áurea. Essa lei é registrada nos livros didáticos como aquela que aboliu a escravização da população negra no país após mais de três séculos.
Quando se fala em abolição da escravização no Brasil é preciso fazer diversos questionamentos, como esses: quais lugares foram delegados a população negra após a assinatura da Lei Áurea? Qual o papel que a população negra escravizada teve nesse processo?
É preciso destacar que essa abolição é inconclusa. O que não é contado na grande maioria dos livros didáticos nas escolas é que essa abolição mesmo inconclusa foi fruto de uma campanha popular que pressionou o Império para que a instituição da escravidão fosse abolida de nosso país e é consequência direta de revoltas pensadas e organizadas por negros e negras. Não foi algo dado. Não foi um presente da elite branca para a população negra.
A lei em si foi votada pela elite e não alterou a vida dos escravizados, das escravizadas e, como uma das consequências sentidas hoje está o racismo estrutural. O racismo no Brasil se estruturou com e pós o processo de escravização.
É estrutural também quando tentam de todas as formas apagarem quaisquer atos ou situações histórico-filosóficas que relembrem de forma positiva o negro, a negra. É estrutural quando associam a imagem do negro e da negra somente a criminosos, a vadios e a tudo que é negativo. De igual modo, é estrutural também quando somadas essas condições, há a naturalização de casos que remetam ao racismo.
Não há o que se comemorar neste dia 13 de maio. Aliás, essa data deve ser vista como mais uma oportunidade de denúncia do preconceito, da discriminação e do racismo cada vez mais latente, mas também de apontamento de caminhos para superá-los.
Dentro dessa perspectiva, é que estou apresentando nesta tarde de forma virtual (google meet) o Plano Municipal de Combate ao Racismo e de Construção da Equidade Racial em Altaneira –CE junto a secretária de Governo, Leocádia Soares, a secretária de Educação, Zuleide Oliveira, ao secretário de Cultura, Antônio de Kaci, a diretores e coordenadores de escolas no município, a formadores educacionais, a representante do Sindicato dos Servidores Municipais (Sinsema), Lúcia de Lucena, ao vereador e presidente da Câmara, Deza Soares e a advogada e vereadora Rafaela Gonçalves.
Destaquei que o documento foi construído entre agosto e setembro de 2020, mas que não era o fim. O momento era para que com as discussões fossem apresentadas novas propostas visando sua complementação e debater maneiras de implementá-lo no município, que poderia ser o primeiro na região do cariri a ter um documento dessa natureza.
O Plano
O documento está estruturado em apresentação, justificativa e propostas. Afirmei que a História do Brasil se confunde com a história do processo de escravização da população negra e indígena e que ao longo dos anos governantes brasileiros, de imperadores a presidentes, foram responsáveis pela promoção e perpetuação da desigualdade racial e citei como exemplos a Lei de Terras de 1850 e a Lei da Vadiagem de 1942. O racismo é visto e sentido institucionalmente. Hoje com essa nova conjuntura política está cada vez mais latente. Mas apesar desse extermínio, a população negra existe e resiste.
Trouxe para o debate dados chocantes. A cor da pele define que lugar e quais cargos públicos um negro e uma negra podem ocupar, além de determinar o tempo de vida. Conforme dados do Atlas da Violência 2020 em parceria com o IPEA o número de homicídios de pessoas negras cresceu 11,5% em onze anos, enquanto que as de não negras caiu 13%. No Ceará, para cada homicídio de uma pessoa não negra, a taxa de homicídio para negros é de 4,7.
Diante deste cenário, é preciso trazer para o centro das discussões a pauta racial. Mudar e transformar cada espaço passa necessariamente pelo combate ao racismo e concomitantemente pela promoção da equidade e para tanto, é fundamental a construção de ações afirmativas concretas e viáveis. O enfrentamento as desigualdades advindas do racismo em todos os setores é uma responsabilidade e um dever de todos.
Por isso, tanto o poder executivo municipal quanto o legislativo precisam assumir seu papel na luta antirracista disseminando o debate a respeito da questão racial, contribuindo para desarranjar todas as formas de discriminação e preconceito presentes diariamente.
Propostas
Elenquei oito propostas:
Transformação do dia 20 de novembro, hoje ponto facultativo no município através da Lei Nº 674, de 1º de fevereiro de 2017, em feriado; Criação de uma lei municipal que estabeleça cotas em concursos públicos para candidatos e candidatas que se autodeclarem pretos/as; Articular e, ou, firmar parcerias com universidades da região visando a formação de uma banca de heteroidentificação voltada para avaliar os pedidos de cota nos concursos públicos; Criação de um Conselho dentro da Secretaria Municipal de Educação denominado de COPERA (Conselho de Promoção da Equidade Racial em Altaneira). Este Conselho terá, dentre outras responsabilidades estabelecidas em lei aprovada na Câmara, fiscalizar se as leis 10.639/03 e 11.645/08 que tornam obrigatório o ensino da cultura africana, afro-brasileira e a história e cultura indígena nas escolas públicas estão sendo cumpridas; Criação, através de lei, do Estatuto Municipal da Equidade Racial que adotará os parâmetros do Estatuto da Igualdade Racial do Governo Federal aprovado em 2010; Elaboração e desenvolvimento pela Secretaria Municipal de Educação de programas de formação sobre relações étnico-raciais em todas as instituições de ensino envolvendo toda a comunidade escolar; Desenvolvimento pelas Secretarias Municipais de Educação, de Cultura e de Assistência Social de editais voltados para à promoção da Equidade Racial e de Gênero no município e Implementação de Conferências Municipais de Combate ao Racismo Estrutural. Estas serão realizadas a cada dois anos.
Complementação
O primeiro a se posicionar foi o presidente da Câmara, o vereador Deza Soares. Ele afirmou que o município de Altaneira é o primeiro do cariri a ter uma lei que permita refletir sobre as causas negras, sobre sua valorização e contribuição ao país, ao transformar o dia 20 de novembro em ponto facultativo no âmbito da administração pública, mas que diante da explanação do plano entendeu a necessidade simbólica e histórica do feriado. “Seremos o primeiro município do Ceará a ter uma lei com essa conotação histórica”, disse, ao tempo que fez o convite a mim para apresentar o plano durante sessão da Câmara.
A fala de Deza foi seguida pelo secretário de cultura, Antônio de Kaci e pela Secretária de Governo, Leocádia. Antônio lembrou que ao receber a proposta no início no ano chegou a conversar com outros setores do governo, mas que optaram por permanecer facultativo e disse entender a importância histórica do feriado. Já Leocádia comentou que agora é favorável ao feriado e chamou a atenção para o fato de que as temáticas concernentes a história e cultura africana, afro-brasileira e história e cultura indígena precisa sim, como já mencionado, ser trabalhado em todas as disciplina e durante todo o ano. “Na educação não é fácil trabalhar o racismo, mas é fundamental que se trabalhe. O negro e a negra precisam ser valorizados”, pontuou. Por fim, disse que as secretárias de educação, de cultura e de assistência social precisam se articular e traçar estratégias de combate ao racismo.
A Secretária de Educação, Zuleide, frisou que seria interessante a criação de um Fórum Municipal da Diversidade. Ela mencionou que ele uma recomendação do Ministério Público do Estado.
Rafaela Gonçalves, advogada e vereadora, mencionou que seria importante ampliar as propostas para o setor privado e apontou como propostas a criação de cotas. “Quando as empresas e outras repartições privadas forem contratar teriam que atender a essa demanda”, disse. Outra ideia de Rafaela foi a criação de um Fundo Municipal para o desenvolvimento de políticas afirmativas.
Cerca de 24 pessoas participaram do evento que durou duas horas. Todos/as se comprometeram na aplicação do Plano Municipal de Combate ao Racismo e de Promoção da Equidade Racial.
O documento completo será
enviado a Administração Municipal.
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